Crimes Eleitorais e os eventualmente conexos

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL

E A DECISÃO DO STF NO INQUÉRITO Nº 4.435Análise crítica e proposições

Introdução. Já nos manifestamos inúmeras vezes sobre a decisão do STF no Inquérito n. 4435, em que, por apertada maioria (6×5 votos),  o Plenário decidiu que, havendo crimes eleitorais em tese conexos com crimes comuns, caberia a análise do processamento conjunto dos feitos à justiça especializada. O presente texto traz em seu bojo muitos dos fundamentos já declinados anteriormente[1], aqui com alguns dados complementares e considerações com abordagens pouco diversas dentro da proposta da presente obra, de analisar os precedentes da Suprema Corte.

Em nossa concepção, o Supremo Tribunal Federal cometeu um equívoco na referida interpretação. E assim afirmamos não por conta desse caso específico, mas mas na linha do que há muito sustentamos no que se refere ao tema de conexão e continência no âmbito do processo penal quando envolvidas modificações de competências absolutas previstas no âmbito da Constituição, bem assim em face de precedentes do STF a respeito de modificação de competências absolutas por regras infraconstitucionais..

A ementa do acórdão do referido leading case (publicado em 21.8.2019) tem o seguinte teor:

COMPETÊNCIA – JUSTIÇA ELEITORAL – CRIMES CONEXOS. Compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos – inteligência dos artigos 109, inciso IV, e 121 da Constituição Federal, 35, inciso II, do Código Eleitoral e 78, inciso IV, do Código de Processo Penal.

Em primeiro lugar, há se assentar que, salvo melhor juízo, em nossa compreensão, a ementa não corresponde ao que efetivamente decidido: não se decidiu que competiria necessariamente o julgamento conjunto à Justiça Eleitoral, mas sim a ela analisar se eventualmente realizaria cisão processual ou então, mantendo sua competência, julgaria todos os crimes, inclusive os conexos.

De fato, o entendimento majoritário foi no sentido de que há se observar as regras do art. 35, II, do Código Eleitoral e também do art. 76 do CPP, que tratam da conexão, de modo que, havendo elementos de presença de crimes eleitorais em tese conexos com crimes comuns (das justiças federal ou estadual), caberá ao órgão especializado a decisão de como proceder em relação a todos os feitos.

Partindo de uma interpretação sistemática dos dispositivos legais e constitucionais, bem assim considerando os precedentes do próprio STF relacionados ao tema de reuniõs/cisões processuais, pretendemos apresentar ao final uma solução técnica para esse verdadeiro embróglio processual que vem causando verdadeiro tumulto processual.

Reconhecemos ainda que não faltarão (açodados) posicionamentos no sentido de que se não houve processamento conjunto de alguns feitos com certa repercussão nacional pela Justiça Eleitoral haveria nulidade de todas as provas e eventuais condenações. Dissemos nós: antes de tudo é preciso compreender os institutos processuais e as regras fundamentais trazidas para solução harmônica no caso em tela.

1. As regras constitucionais de fixação de competência em razão da prerrogativa de foro e em razão da matéria.

O art. 5º, LIII e LIV, da Constituição Federal dispõe expressamente que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, bem como privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Há três critérios fundamentais para a fixação da competência: em razão das funções (“prerrogativa de foro”), em razão da matéria ou (residualmente) em razão do lugar em que cometido o fato criminoso. As duas primeiras são fixadas por expressa determinação constitucional (observada a devida simetria com as constituições estaduais), e portanto são absolutas.

A competência fixada por prerrogativa de foro tem a finalidade  fundamental de proteger o cargo exercido por determinadas pessoas. Em parcial conclusão de estudo publicado no ano de 2014[2], salvo melhor juízo de forma  inédita (porque não encontramos nenhuma sustentação nesse sentido antes dessa data), “forte no Princípio da Isonomia (art. 5º, caput), não é facultado a nenhum Poder de Estado (inclusive ao Judiciário na interpretação da Constituição) incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. Por esta razão, não existe fundamento constitucional racional para assentar que, independentemente do crime cometido, sempre deverá ser conferida a garantia da prerrogativa de foro. Se o motivo central do tratamento diferenciado está na proteção do cargo (e não da pessoa que lho ocupa), deve ela ser o mesmo vetor para estabelecer o delimitador para em quais situações será justificável o quebramento da isonomia e o tratamento diferenciado. Assim, o foro por prerrogativa somente se apresenta justificável ante o Princípio da Isonomia em relação aos crimes cometidos e diretamente relacionados às atividades do agente. No que pertine a outros delitos que não se relacionem intrínseca e diretamente às funções exercidas pelo agente público não pode haver o tratamento diferenciado pela prerrogativa de foro”.

Mai recetemente o STF acolheu (ao que parece de forma mais restrita) o entendimento supraindicado e, no julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal n. 937 [3], fixou a tese de que “o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação o despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”.

Nessa mesma linha encontra-se recente decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em que se afirmou que:

PROCESSO PENAL. DENÚNCIA. QUESTÃO DE ORDEM. GOVERNADOR. MANDATOS SUCESSIVOS. PRERROGATIVA DE FORO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. REDUÇÃO TELEOLÓGICA. ART. 105, I, “A”, DA CF/88. FINALIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL.

1. O propósito da presente questão de ordem é averiguar se o STJ se mantém competente para examinar o recebimento da presente denúncia, nas quais narradas condutas que, apesar de relacionadas às funções institucionais de cargo público que garantiria foro por prerrogativa de função nesta Corte, teriam sido supostamente praticadas durante mandato anterior e já findo do denunciado e apesar de atualmente ocupar, por força de nova eleição, o referido cargo.

2. O princípio do juiz natural tem como regra geral a competência jurisdicional da justiça comum de primeiro grau de jurisdição, ressalvadas as exceções expressas da Carta Magna.

3. O foro por prerrogativa de função deve se harmonizar com os princípios constitucionais estruturantes da República e da igualdade, a fim de garantir a efetividade do sistema penal e evitar a impunidade e a configuração de forma de odioso privilégio.

4. A conformidade com os princípios da isonomia e da República é obtida mediante a pesquisa da finalidade objetivada pela norma excepcional da prerrogativa de foro, por meio “redução teleológica”.

5. A interpretação que melhor contempla a preservação do princípio republicano e isonômico é a de que o foro por prerrogativa de função deve observar os critérios de concomitância temporal e da pertinência temática entre a prática do fato e o exercício do cargo, pois sua finalidade é a proteção de seu legítimo exercício, no interesse da sociedade.

6. Como manifestação do regime democrático e da forma republicana, os dois Poderes estatais que exercem funções políticas, o Executivo e o Legislativo, são submetidos a eleições periódicas, razão pela qual os mandatos só podem ser temporários.

7. Como o foro por prerrogativa de função exige contemporaneidade e pertinência temática entre os fatos em apuração e o exercício da função pública, o término de um determinado mandato acarreta, por si só, a cessação do foro por prerrogativa de função em relação ao ato praticado nesse intervalo.

8. Na presente hipótese, a omissão supostamente criminosa imputada ao investigado ocorreu no penúltimo de seu segundo mandato à frente do Poder Executivo Estadual, de modo que a manutenção do foro após um hiato de posse de cargo no Legislativo Federal e mais um mandato no Executivo Estadual configuraria um privilégio pessoal, não albergado pela garantia constitucional.

9. Questão de ordem resolvida para reconhecer a incompetência do STJ para examinar o recebimento da denúncia e determinar seu encaminhamento ao primeiro grau de jurisdição. (Ação Penal nº 874/DF, STJ, Corte Especial, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15.5.2019, publicado no DJ em 3.6.2019).

Importante destacar que a prerrogativa de foro será a regra determinante de fixação de competência prevalente sobre as demais [4]. A seguir, há sempre se observar as regras de competência em razão da matéria são fixadas constitucionalmente de maneira expressa (e outras parcas de forma residual). Por último, existem as regras de competência em razão do lugar em que cometida a infração criminal.

Já sustentamos noutro momento a questão referente à competência em razão da matéria (e ora reafirmamos) [5]: “A competência penal em razão da matéria da Justiça Federal está explicitamente consignada na Constituição Federal no artigo 108, I, “b”, “d” e “e”, e II, e no artigo 109, IV, V, V-A, VI, VII, IX, X e XI, com as observações dos §§ 3º e 4º deste último. A partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, a Justiça do Trabalho passou também a ter algumas competências correlacionadas à matéria penal, embora restritas [6]. No âmbito da Justiça Eleitoral, a competência é determinada por lei complementar [7], nos termos do artigo 121 da Constituição. E na Justiça Militar, a competência penal deverá observar o que fixado em lei, conforme o artigo 124 da CF/88, limitada a competência da Justiça Militar Estadual às hipóteses previstas no § 4º do artigo 124 da Carta Maior. As Justiças Eleitoral, Militar e do Trabalho são consideradas “especializadas” em razão da matéria. Já as Justiças Federal e Estadual são tidas como “comuns”, sendo a Justiça Federal reconhecida majoritariamente pela doutrina e jurisprudência como “mais graduada”, pois sua competência estaria (como efetivamente está) expressa na Constituição Federal (artigo 109, incisos IV, V, V-a, VI, VII, IX, X e XI), sendo a competência da Justiça Estadual de natureza residual (sem expressa disposição)”.

A discussão que originou o leading case na Ação Penal n. 937 envolvia possível crime eleitoral conexos a outros comuns de competência da Justiça Federal. Independente dessa circunstância, o critério para a solução dos problemas deverá abarcar a justiça comum federal e estadual.

Com efeito, a competência da Justiça (comum) Federal está prevista explícita e expressamente no art. 109, incisos IV, V, V-A e VI da Constituição Federal [8]. Veja-se que estão “ressalvadas” expressamente na Constituição Federal duas Justiças consideradas “especiais”: a Militar e a Eleitoral.

A competência da Justiça Estadual é residual: tudo que não se enquadrar na competência da Justiça Federal, caberá à Justiça Estadual, considerando-se exclusivamente o critério em razão da matéria [9].

A competência da Justiça Eleitoral não está prevista na Constituição Federal, embora a remissão feita pelo art. 121: “Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais”.

Dito isso, há se ver que: a) o TSE não tem competência originária penal (matéria afeta ao STF, art. 102, I, ´c´, CF); b) os Tribunais Regionais Eleitorais terão competência por prerrogativa de foro, observadas duas regras fundamentais: o disposto na Súmula 702 do STF (antes referida) conjugada com a restrição imposta pela decisão proferida na Questão de Ordem na Ação Penal n. 937 (em síntese, pouquíssimos casos[10]); c) a competência dos juízes eleitorais se dará (na grande maioria dos casos), em razão da matéria, segundo previsto no Código Eleitoral.

2. As regras de conexão e continência: a importância de sua devida compreensão.

O fundamento para o reconhecimento (em princípio) da Justiça Eleitoral para decidir sobre a unificação processual está em dois dispositivos.

O primeiro, do Código Eleitoral (art. 35, II), que dispõe competir aos juízes eleitorais “processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos tribunais regionais“.

O segundo, do CPP (enquadrável, em tese, nos incisos II e III, que tratam, respectivamente, das hipóteses de conexão objetiva e probatória), prevendo que a competência será determinada pela conexão: “[…] II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração”.

É preciso bem compreender também a extensão do tipo penal de que trata o art. 350 do Código Eleitoral (o vetor fundamental  a justificar eventualmente o deslocamento da competência para a justiça especializada).

Igualmente se deve visualizar de forma antecedente que o crime que mais pode ocorrer e ensejar possível conexão com os demais delitos de competência da justiça comum (federal ou estadual) é aquele previsto no art. 350 do Código Eleitoral: “Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa, se o documento é particular“.

O tipo penal nada mais é do que uma espécie falsidade ideológica para fins eleitorais (hipótese bastante restrita, se bem compreendida historicamente a regra em tela).

Importante rememorar que, tratando do delito em voga, o STF já assentou que a desaprovação de contas por Corte Eleitoral é “fato que não tipifica, por si só, o crime em questão“. É que, disse a Corte Suprema, a “simples presunção de omissão de despesas na prestação de contas” não caracteriza o crime se o parlamentar “se limitou a submeter aos órgãos de controle eleitoral a documentação de que dispunha, tal como entregue pelos emitentes” [11]. Também já reconheceu que  “o tipo penal do art. 350 do Código Eleitoral exige expressamente, para sua configuração, que a omissão de declaração que deva constar do documento público seja realizada com fins eleitorais”[12].

O que é pouco observado em doutrina e na jurisprudência é que, diferentemente do processo civil, as regras de conexão e continência no processo penal foram criadas como formas de modificação de competência territorial. Ou seja, não são aptas a modificar competência absoluta (prerrogativa de foro e em razão da matéria quando expressamente previstas na Constituição Federal), salvo se houver eventual e expressa disposição no próprio texto constitucional para modificações de competência de outra natureza.

Ou seja, as regras de fixação de competência estão na Constituição Federal; as de modificação (para competência territorial exclusivamente, salvo expressa disposição da própria Constituição) estão previstas na legislação infraconstitucional.

Essa a razão pela qual, por exemplo, o STF já assentara (quiçá esquecendo dessa decisão no julgamento do leading case debatido) que “a conexão e a continência – artigos 76 e 77 do Código de Processo Penal – não consubstanciam formas de fixação da competência, mas de alteração, sendo que nem sempre resultam na unidade de julgamentos – artigos 79, incisos I, II e §§ 1º e 2º e 80 do Código de Processo Penal” [13].

Nesse pouco, abrimos uma anotação. Respeitosamente, registramos nossa incompreensão com o entendimento do Ministro Marco Aurélio, que, afora o precedente retromencionado, sempre sustentou a impossibilidade de regras de conexão e continência modificarem competência constitucional (absoluta) [14].

Com efeito, nesse caso concreto do Inquérito nº 4.435, assentou que “tendo em vista o suposto cometimento de crime eleitoral e delitos comuns conexos, considerado o princípio da especialidade, tem-se caracterizada a competência da Justiça especializada, no que, nos termos dos artigos 35, inciso II, do Código Eleitoral e 78, inciso IV, do Código de Processo Penal, por prevalecer sobre as demais, alcança os delitos de competência da Justiça comum”.  Evidente que sempre é possível a modificação de posicionamentos, mas não houve aqui, com todas as vênias, uma indicação dos motivos para não aplicação dos precedentes reiterados em sentido contrário, firmados de forma veemente até (e corretamente, segundo pensamos) pela impossibilidade de regras de conexão e continência modificarem competência constitucional (mesmo que se considere que aqui uma das regras envolvidas na discussão foi recepcionada com efeito de lei complementar, o Código Eleitoral brasileiro, ainda se estaria diante de uma hipótese de uma lei hierarquicamente inferior à Constituição modificando competência absoluta expressamente prevista na Carta Maior).

Relembre-se igualmente que o STJ igualmente já decidiu que “a Constituição da República de 1988 exclui expressamente a competência da Justiça Federal para processar e julgar contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União (artigo 109, IV, da CF)”, razão pela qual “por se tratar de competência constitucional, não se aplicam as normas previstas no Código de Processo Penal acerca da competência por conexão ou continência, sendo correta a decisão que determinou o desmembramento do feito, devendo a Justiça Federal processar e julgar o crime de descaminho ou contrabando e a Justiça Estadual a contravenção penal”[15]. Não foi diversa a conclusão de que “a competência constitucional atribuída à Justiça Federal não pode ser prorrogada à Justiça Estadual, ante a sua natureza absoluta”[16].

Como sustentamos na companhia de Eugênio Pacelli, o fundamento “da modificação da competência territorial repousa na facilitação da apreciação de alguns casos, bem como na prevenção contra decisões judiciais conflitantes sobre uma mesma conduta. No primeiro caso, de  facilitação da instrução, fala- se em conexão; no segundo, de continência[17]. E complementamos, inclusive analisando o caso em tela: “a conexão, é bom que se ressalte, é critério de modificação de competência cuja finalidade é reunir processos com objetos distintos, mas com específicas proximidades probatórias, para o melhor aproveitamento da fase instrutória, de modo que a prova de um (processo) possa facilitar ou esclarecer outros fatos, objeto de outro (processo). Em uma palavra: a conexão tem por objetivo otimizar a produção de provas, pela unidade de processo e de julgamento de fatos com níveis distintos de inter-relacionamento (identidade de autoria, por motivação específica na prática dos delitos, influência de provas em processos separados etc). Pensamos que, a despeito desse proveito probatório, não se deve, como regra, afastar a competência do juiz natural, fixado na Constituição da República, sobretudo quando com fundamento em normas infraconstitucionais, de estatura normativa obviamente inferior. Aliás, foi por considerações dessa ordem que o Plenário da Suprema Corte, no julgamento do Agravo Regimental no Inquérito 3.515, decidiu pelo desmembramento de processos envolvendo pessoas com foro por prerrogativa de função, e outras, não detentoras dela” .Portanto, não se pode olvidar que as “regras de conexão não deveriam modificar competência constitucional absoluta. Elas foram criadas (art. 76 CPP) para fins de modificação de competência territorial”.[18]

Observe-se que o CPP previu no seu artigo 78 (lá na década de 40 do século passado) que, “na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: IV – no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta”.

A incompatibilidade do art. 78, IV, do CPP e do art. 35, II, do Código Eleitoral com (pelo menos) o art. 109 e incisos (antes visto) é manifesta.

Essa incompatibilidade foi expressamente prevista quanto aos crimes militares (também “especial”): (Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo:  I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar). Naquela época não se fez a ressalva em relação aos crimes eleitorais (mantendo-se racionalidade sistêmica já que previsto quanto aos militares), pois não se imaginava a ulterior edição da Lei Eleitoral de 1965, bem depois do CPP, DL. 3.689, de 1941, embora previsões anteriores nas demais leis eleitorais.

Portanto, em nossa compreensão, o “erro técnico” da composição majoritária do Supremo Tribunal Federal foi admitir (tal como já fez, de certa forma,  em relação à Súmula n. 704, STF) que seria possível a modificação de competência de natureza constitucional por regras infraconstitucionais sem que haja expressa previsão dessa modificação em sede constitucional, na medida em que as normas infraconstitucionais foram feitas exclusivamente para modificação de competência territorial (jamais em razão da prerrogativa de foro ou da matéria).  O tema está diretamente relacionado ao princípio do Juiz Natural, que se distingue – e muito – das regras no âmbito do processo civil.

Embora não tenha aplicado ao caso sua própria compreensão em julgados anteriores (retromencionados), o Ministro Marco Aurélio tem absoluta razão em suas argumentações reiteradas em muitos feitos que submete ao julgamento colegiado: competência de natureza estrita (da Constituição) não pode ser modificada por normas infraconstitucionais.

Segundo compreendemos, deve(ria) prevalecer – como sempre o foi, inclusive para a Justiça Militar, igualmente de natureza especial – a interpretação e compatibilização das regras pela cisão processual, de modo que cada ramo da Justiça julgará os temas relativos às matérias a elas constitucionalmente atribuídas.

Disso que aqui se fala nada – absolutamente nada – tem com discussões travadas inclusive no bojo do precedente sobre a Justiça Eleitoral ter ou não capacidade operacional para o eventual processamento conjunto de fatos conexos. Desde nossas primeiras sustentações, nunca abordamos isso, senão exclusivamente a exata e restrita compreensão de que normas de conexão e continência (infraconstitucionais, em lei ordinária ou complementar) não podem implicar deslocamento de competência constitucional (absoluta). A cisão é obrigatória, é esse o ponto central em que focamos e que, esperamos, seja objeto de futura revisão pela Suprema Corte, até porque, presentes esses fundamentos legais e constitucionais (e não a mera remissão a ementas de outros casos), não há como se sustentar sistematicamente essa compreensão tomada por quórum mínimo.

3. A superação das críticas ao (novel) entendimento do STF para a busca de soluções.

Nada obstante as críticas aqui mencionadas, o fato é que a Suprema Corte brasileira emitiu o entendimento antes destacado, cabendo então – agora – encontrar a (melhor) solução para os casos passíveis, em tese, de reunião processual. A proposta de solução está na própria Constituição, no CPP e também nos reiterados precedentesdo STF.

4. Pressupostos fundamentais para cogitar  deslocamento de competência para análise de possível reunião processual segundo os critérios da jurisprudência do STF.

É certo que praticamente todos os precedentes exarados pelo Supremo Tribunal Federal a respeito do tema dizem com análises de reunião ou cisão processual envolvendo competência por prerrogativa de foro (índole constitucional). E não haveria de ser de forma diversa, pois, como dito anteriormente, a competência constitucional do STF se dá exclusivamente nesses casos. Porém, e também na linha do que destacado, o tratamento da competência por prerrogativa de foro e em razão da matéria deve ser exatamente o mesmo.

Fixada essa premissa, há se formular outra pergunta: será qualquer fato ou arguição na justiça comum de “possível” crime eleitoral conexo que ensejará o deslocamento da competência ?

A resposta é seguramente não.

De forma absolutamente correta, o Supremo Tribunal Federal há muito vem entendendo que, para haver o deslocamento de um feito de instância inferior, é fundamental haver dados objetivos e concretos quanto a um fato em tese criminoso de sua competência.

A propósito, veja-se exemplificativamente que “a simples menção de nomes de parlamentares, por pessoas que estão sendo investigadas em inquérito policial, não tem o condão de ensejar a competência do Supremo Tribunal Federal para o processamento do inquérito, à revelia dos pressupostos necessários para tanto dispostos no art. 102, I, ‘b’, da Constituição”(Agravo Regimental na Reclamação nº 2.101/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Plenário, julgado em 1º.7.2002, publicado no DJ em 20.9.2002).  No mesmo sentido, assentou-se que a “simples referência ao nome de três congressistas surgida no contexto de determinado procedimento penal instaurado em primeira instância. […] Sem que se evidencie a presença, fundada em bases concretas, de indícios reveladores de autoria ou de participação ativa, em prática delituosa, de autoridade detentora de prerrogativa de foro, a simples referência ao seu nome, feita em sede de determinado procedimento penal, não basta, só por si, para legitimar o deslocamento, para o  Supremo Tribunal Federal, da competência penal de que se acha investido órgão judiciário de inferior jurisdição. […] (Agravo Regimental na Medida Cautelar na Reclamação n. 26.574, STF, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 1º.6.2017, publicado no DJ em 5.6.2017). No mesmo diapasão, o STJ reconheceu que “a simples menção do nome de autoridades, em conversas captadas mediante interceptação telefônica, não tem o condão de firmar a competência por prerrogativa de foro”, sendo indispensável aferir se há indícios efetivos de participação de autoridades em condutas criminosas. […] (Habeas Corpus n. 422.642-SP, STJ, 5ª Turma, unânime, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25.9.2018, publicado no DJ em 2.10.2018)

É preciso deixar bem claro que não serão meras ilações ou possibilidades/probabilidades de ocorrência de fato criminoso eleitoral que ensejarão o deslocamento da competência: será fundamental a indicação de  dados objetivos e concretos. Sem que tenha sido preenchido esse (primeiro) pressuposto não há se falar, em hipótese alguma, em pretensão a deslocamento da competência da Justiça comum (federal ou estadual) para a eleitoral para a análise da possível manutenção dos feitos de forma unificada.

Atente-se que o STJ bem apreendeu essa questão em precedente recente, inclusive posterior ao julgado paradigmático do STF:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL QUE TEVE INÍCIO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E FOI REMETIDO PARA A JUSTIÇA ESTADUAL DE BELO HORIZONTE/MG. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL X JUSTIÇA ELEITORAL. CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA, LAVAGEM DE DINHEIRO, CARTEL E FRAUDE A LICITAÇÕES RELACIONADAS À CONSTRUÇÃO DA CIDADE ADMINISTRATIVA DE MINAS GERAIS. SUPOSTO PAGAMENTO DE PROPINA DE 3% DO VALOR DAS OBRAS, QUE SERIA DESTINADO A FUTURAS CAMPANHAS ELEITORAIS DO ENTÃO GOVERNADOR/MG. AUSÊNCIA DE EVIDÊNCIAS DA DESTINAÇÃO DA SUPOSTA PROPINA PAGA. INVIABILIDADE DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DO CRIME DE CAIXA 2 (ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.

1. Não há como se reconhecer a evidência de indícios suficientes da existência do crime eleitoral conhecido como “caixa 2” (art. 350 do Código Eleitoral) se a menção a tal delito consta apenas em depoimento de um colaborador premiado (à época executivo da Odebrecht), que afirma ter ouvido do então Presidente da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais – CODEMIG – que os supostos pagamentos de propina – correspondentes a 3% do valor recebido pela Construtora por sua participação na obra da Cidade Administrativa de Minas Gerais – seriam destinados a futuras campanhas eleitorais do então Governador de Minas Gerais, mas o depoimento não é amparado por qualquer prova da destinação eleitoral da verba.

2. Corrobora a inverossimilhança da destinação eleitoral da noticiada propina o fato de que não existe congruência entre a época dos supostos pagamentos indevidos e a proximidade de eleições, já que os pagamentos ilícitos foram majoritariamente realizados nos anos de 2008 e 2009, períodos em que o investigado era Governador de Minas Gerais e não disputava qualquer eleição a cargo público.

3. De mais a mais, a Justiça Eleitoral já reconheceu sua incompetência para conduzir o inquérito policial, quando afirmou que “este inquérito está arquivado na Justiça Eleitoral, a pedido do Ministério Público Eleitoral, que manifestou a sua ciência, tendo a decisão de arquivamento e baixa na distribuição sido publicada no PJE” (e-STJ fl. 1.062).

– Nessa linha de raciocínio, em recente julgado, alicerçado na decisão plenária do Supremo Tribunal Federal no INQ n. 4.435-AgR/DF, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, o eminente Ministro ALEXANDRE DE MORAES julgou procedente o pedido ofertado na Reclamação n. 38.275-TO, apontando a Justiça Eleitoral como a competente para reconhecer o crime eleitoral ou eventual conexão existente (decisão de 18/2/2020).

Logo, se, na hipótese vertente, a Justiça Eleitoral não vislumbrou indícios suficientes de ilícito penal eleitoral ou conexão, não há como entender correta a interpretação competencial dada pelo Juízo de Direito oficiante.

– Aliás, no ponto, nem a Justiça Eleitoral, nem o Ministério Público Eleitoral, nem o Parquet estadual, nem mesmo o MPF (como fiscal da ordem jurídica) reconheceram indícios de crime eleitoral, capazes de deslocar a competência da apuração em tela.

4. A possibilidade de descoberta de outras provas e/ou evidências, no decorrer das investigações, levando a conclusões diferentes, demonstra não ser possível firmar peremptoriamente a competência definitiva para julgamento do presente inquérito policial. Não obstante, tendo em conta que a definição do Juízo competente em tais hipóteses se dá em razão dos indícios coletados até então, revela-se a competência da Justiça Estadual para condução do Inquérito Policial. 5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da Vara de Inquéritos de Belo Horizonte/MG, o suscitante. (Conflito de Competência n. 170.262/MG, STJ, 3ª Seção, unânime. Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13.5.2020, publicado no DJ em 20.5.2020)

Ou seja, não cabe falar agora que, em feitos que já houve processamento por crimes comuns, se houvesse uma (remota) possibilidade de existir crime eleitoral (eventualmente) conexo não processado até o momento de forma conjunta, deveria haver a anulação dos feitos (das respectivas provas e eventuais condenações), deslocando-se tudo para a Justiça especializada, para recomeço dos processamentos. É raso e despido de qualquer plausibilidade técnica o raciocínio que envereda por uma linha tão simplória, com todas as venias de estilo. Veremos na sequência a fundamentação técnica a respeito do tema.

Prosseguindo dentro desse tópico, uma advertência fundamental: se já instaurada ação penal em determinado juízo com inquéritos possivelmente conexos também em andamento, o deslocamento desses inquéritos para a Justiça Eleitoral analisar eventual competência sua não deslocará a ação penal já em andamento em que não há qualquer imputação de crime eleitoral. Ou seja, e na linha do que já mencionado, a mera possibilidade da existência de fatos a serem apurados em inquéritos não implicará jamais o concomitante deslocamento de ação penal em tese conexa que já corre perante juízo (natural) competente (em razão dos fatos imputados, que delimitam a competência). O que poderá ocorrer é, no máximo, se devidamente comprovado ulteriormente o crime eleitoral num dos procedimentos investigatórios (com a respectiva denúncia recebida) é que o juízo prevalente poderá “avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva“, hipótese em que “a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas” (art. 82, CPP).

5. Os crimes do art. 350 e 354-A do Código Eleitoral no contexto dos demais crimes comuns.

Partindo-se do pressuposto de que existam elementos efetivos e concretos da ocorrência da prática de delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral – a justificar o deslocamento da análise da reunião para a Justiça Eleitoral – , a questão a se saber é se esse dado, por si só,  implicará a manutenção de competência na Justiça Eleitoral para todos os fatos.

Precisamos deixar bem claro um erro de nomenclatura: embora mencionado no precedente do Inquérito nº 4.435, não existe, tecnicamente, o tipo penal próprio de caixa 2 eleitoral [19]. Utilizar dinheiro sem origem (possivelmente de caixa dois “tradicional”) em campanha eleitoral não é, por ora, tipificado como crime eleitoral. Como dito alhures, a regra do art. 350 do CE trata de um fenômeno criminoso bem específico: uma forma de falsidade ideológica praticada para fins eleitorais.

Do que se verifica normalmente em crimes dessa natureza (recebimento de dinheiro para campanha eleitoral de origem espúria e não declarada) vai larga a distância técnica para seu eventual enquadramento legal (salvo bem delineada hipótese) na novel previsão inserta no art. 354-A do Código Eleitoral pela Lei nº 13.488/2017, que prevê como crime (penas de 2 a 6 anos e multa) a conduta de apropriar-se o candidato, o administrador financeiro da campanha, ou quem de fato exerça essa função, de bens, recursos ou valores destinados ao financiamento eleitoral, em proveito próprio ou alheio” (vide página 130 do acórdão).

O que há nesse novo tipo penal (que não pode retroagir [20],como sabido), embora invocado como fundamentação em voto do julgado por um dos ministros do STF para justificar a competência eleitoral sobre fatos passados,  é uma espécie de “apropriação indébita” de valores que, legitimamente (sem qualquer origem espúria na origem, e devidamente declarados), provieram de valores para financiamento eleitoral. Além de não se tratar de “caixa 2” (fl. 98 do acórdão), compreedemos ser de todo impertinente a discussão pelo prisma desse tipo penal: seja porque ele não pode ser aplicado para fatos pretéritos e também – principalmente – porque não há como se visualizar possível conexão com crimes de corrupção, lavagem, dentre outros, na medida em que os recursos que podem ser objeto daquela referida conduta necessariamente são lícitos, enquanto desses, ilícitos. Atente-se desde já para o alerta: para cogitar de deslocamento, os fatos devem ter em si indicativos de possível conexão (se aceita a premissa de que regras infraconstitucionais poderiam modificar as de matriz constitucional).

Prosseguindo a análise quanto ao art. 350 do Código Eleitoral,  há se verificar se os valores recebidos foram efetivamente não declarados e se não são, em verdade, hipótese de corrupção (“propina”) relacionada diretamente a doações eleitorais de forma criminosa e em desconformidade com a legislação eleitoral. Noutras palavras, solicitar contribuição eleitoral clandestina ou recebê-la efetivamente e de fato empregá-la na campanha não é  – em nossa compreensão, pelo menos até o presente momento –  crime eleitoral tipificado no art. 350 do Código Eleitoral. Possivelmente será crime de corrupção passiva, prevista no art. 317, CP [21].

O que é pouco observado também sob a ótica exclusivamente técnica é que mesmo a existência de “doações para fins eleitorais” não implicará necessariamente a possibilidade de denúncia pela prática do crime do art. 350 do Código Eleitoral, na medida em que nem sempre o agente que utiliza o valor espúrio originariamente sabia dessa circunstância[22]. Aliás, ousamos dizer que dificilmente será enquadrado no retromencionado tipo penal.

Não esqueçamos que, limitada a afirmativa aqui ao ao âmbito da denominada Operação Lava Jato (mencionada obiter dictum em alguns votos do leading case), os valores que foram utilizados em campanhas eram recebidos por alguns poucos corrompidos que, retirando do montante desviado suas quotas-partes, enviavam aos diretórios partidários esses valores, os quais, por sua vez, destinavam aos candidatos (que não necessariamente sabiam dessa origem espúria). E, como retromencionado, a essa apropriação/desvio não se pode atribuir a posterior previsão do art. 354-A do Código Eleitoral.

Mais que isso, também sob a ótica exclusivamente técnica: mesmo que haja elementos da existência do crime eleitoral previsto no art. 350 da legislação específica, não haverá necessariamente conexão com eventuais crimes (previamente existentes) de corrupção e lavagem de dinheiro (para ficarmos em tipificações básicas e inerentes a esse tipo de conduta).

A razão é, igualmente, bastante simples.

Relembremos as duas regras fundamentais de conexão que se aplicam para o caso: a) objetiva (art. 76, II, CPP), em que uma conduta é praticada para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; b) instrumental ou probatória (art. 76, III, CPP), em que a prova de uma infração ou qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Em verdade, o crime do art. 350 do Código Eleitoral não tem como finalidade ocultar crimes comuns (corrupção, lavagem etc.), mas sim, e eventualmente, ocultar gastos clandestinos realizados durante campanhas eleitorais. É preciso ter bem claro essa premissa. Assim, e noutras palavras, a falsidade ideológica eleitoral é praticada normalmente para ocultar um ilícito eleitoral (não necessariamente um crime), cuja revelação poderia ensejar consequências na seara eleitoral[23]. Portanto, a falsidade eleitoral não é praticada para ocultar eventuais crimes comuns anteriores como a corrupção, pois o produto dessa conduta normalmente é ocultado mediante outro fato autônomo e prévio também, a lavagem de dinheiro (ambos crimes ocorrem normalmente muito antes de eventual falsidade ideológica eleitoral, havendo até uma verdadeira dissociação deles no tempo e no espaço).

Numa afirmação mais incisiva e objetiva: essa falsidade, em regra, nada tem a ver com facilitar ou ocultar infrações anteriores, muito menos assegurar a impunidade delas. Igualmente a prova daqueles crimes não influi – direta e objetivamente – na prova do eventual crime de falsidade.

Importante advertir que, novamente de forma exclusivamente técnica, razões de mera conveniência processual não justificam a reunião processual. A simultaneidade processual reclama a demonstração de imprescindibilidade da reunião. Não por outra razão que o STJ vem reafirmando que “a interpretação das regras do Código de Processo Penal e demais diplomas legais não pode se submeter a critérios puramente práticos, em prejuízo das normas de competência funcional contidas na Lei Fundamental[24]. Igualmente a Corte Suprema brasileira tem destacado há muito tempo que, para se configurar “a conexão instrumental (CprPen, art. 76, III), não bastam razões de mera conveniência no simultaneus processus, reclamando-se que haja vínculo objetivo entre os diversos fatos criminosos”[25].

Tais premissas são consideradas de tal forma como essenciais que, em casos de efetiva conexão, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido que “mesmo nos casos em que há os crimes de corrupção ativa e passiva, é assente a jurisprudência do Supremo Tribunal de que inexiste óbice a separação da causa” [26].

De qualquer modo, mesmo que superadas essas premissas, há se evoluir, buscando nos precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal o entendimento a respeito do que fazer quando exista eventual conexão entre crimes. Há se ter um critério claro e objetivo.

6. A reunião processual por conexão ou continência é exceção: a regra deverá ser a cisão processual.

Notadamente a partir da decisão plenária do STF no julgamento do Agravo Regimental no Inquérito n. 3.515, de 13.2.2014, os precedentes do Supremo Tribunal Federal são claros e expressos no sentido de que, havendo em tese conexão ou continência (subjetiva), a regra será a cisão processual (a ser realizada pelo “órgão jurisdicional prevalente”), mantendo-se a reunião processual apenas em situações absolutamente excepcionais. Calha referir, inclusive, que, em seu voto no Inquérito nº 4.435, justificando a cisão processual como regra, o Ministro Edson Fachin citou julgado da 1ª Turma no mesmo Inquérito 4.435 (antes da afetação ao Plenário da questão ora debatida), que, ao decidir o Terceiro Agravo Regimental relembrou esse entendimento no sentido de que “havendo detentores e não detentores de prerrogativa de foro na mesma investigação criminal, orienta a atual jurisprudência desta Suprema Corte no sentido de proceder ao desmembramento como regra, com a ressalva do coinvestigado relativamente ao qual imbricadas a tal ponto as condutas que inviabilizada a cisão”.

Reiterando o que antes dito acerca da necessidade do tratamento equânime das modificações de competência em razão da prerrogativa de foro e da matéria, são bastante claros os precedentes do STF que o desmembramento deverá ser a regra, ressalvadas as hipóteses em que a separação possa causar prejuízo relevante à investigação. Exatamente por isso que se assentou num caso concreto que “além de inexistir demonstração objetiva de prejuízo concreto e real na cisão do processo, a análise do titular da ação penal foi conclusiva no sentido da autonomia entre as condutas em tese praticadas pelo denunciado e os demais investigados[…]”[27]. Noutras palavras, mas assente também em precedentes do STF, “a cisão processual deve ser a regra, afastada apenas nos casos em que a imbricação entre os fatos revelar intensidade tamanha a acarretar prejuízo ao deslinde processual” [28]

Exatamente por isso é que, insistimos, o Supremo Tribunal Federal tem – corretamente – assentado que a regra será a cisão processual, cabendo ao Ministério Público, como titular da ação penal, justificar, no primeiro momento possível e de forma detalhada, a necessidade e imprescindibilidade de reunião processual por conexão ou continência. Ausente demonstração dessa essencial reunião, há se aplicar a cisão pelo órgão prevalente, no caso ora debatido, a Justiça Eleitoral. Isso está expressamente consignado no precedente mencionado no início do presente tópico, na pena do Ministro Roberto Barroso (e acolhida pelos demais ministros): “proponho que se estabeleça o critério de que o desmembramento seja a regra geral, admitindo-se exceção nos casos em que os fatos relevantes estejam de tal forma relacionados que o julgamento em separado possa ocasionar prejuízo relevante à prestação jurisdicional. […] acrescento que o desmembramento, como regra, deve ser determinado na primeira oportunidade possível, tão logo se possa constatar a inexistência de potencial prejuízo relevante. […]”.

7. As obrigações processuais penais positivas como norteadoras da busca de eficiência processual: precedentes das Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos.

Como defendemos na companhia de Frederico Valdez Pereira [29], são inúmeros os precedentes das cortes supranacionais a respeito da garantia dos direitos humanos no sentido de existir uma obrigação de as autoridades públicas responsáveis pela investigação e/ou persecução penal conduzirem procedimentos adequados, completos e eficazes, na tentativa de responsabilização dos autores dos delitos. Deixamos bem expresso que essa perspectiva internacional gera efeitos significativos no quadro legal nacional ao ensejar preocupação com a eficácia da jurisdição penal.

Deixamos indelevelmente assinalado na obra retromencionada que,“partindo da noção dos direitos fundamentais como objeto indispensável de proteção criminal (pela perspectiva integral dos direitos fundamentais), tais obrigações processuais são extraídas não apenas de disposições específicas, relativas à proteção dos direitos à vida, integridade física e psíquica, liberdade individual, vida privada e familiar, mas também de cláusula genérica que exige dos países o respeito dos direitos de todos aqueles que estejam sob a jurisdição do Estado. São reconhecidas, assim, obrigações reais e positivas dos Estados membros, que consistem no dever de seus órgãos internos assegurar a salvaguarda desses direitos, prevenindo a violação e esclarecendo judicialmente o cometimento de fatos ilícitos, como forma de efetuar sua repressão, não apenas formal e simbólica, mas adequada e concreta” [30].

É fundamental realçar ainda que ambas as convenções (Interamericana de Direitos Humanos e Europeia) possuem regras que impõem aos Estados signatários obrigações de respeitar e fazer valer os direitos e liberdades reconhecidos. São obrigações de dupla vinculação: negativas, vedando  aos Estados a violação de Direitos Humanos; positivas, pois exigem das partes a adoção de medidas necessárias para tutelar esses direitos, impedindo a violação deles por terceiros e reprimindo eficazmente eventuais lesões a esses direitos.

Tais considerações vêm ao encontro do que corretamente destaca em doutrina nacional Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, para quem “as ordens constitucionais de criminalização são um instrumento da Constituição para oferecer proteção adequada e suficiente a alguns direitos fundamentais, diante de lesões ou ameaças vindas de agentes estatais ou de particulares”, bem assim que a proibição do retrocesso de direitos fundamentais encontra sede, dentre outros, “no princípio da proporcionalidade, compreendido como inclusivo da vedação à proteção insuficiente” [31].

Reafirmamos incondicionalmente que, naqueles casos em que se faça presente a denominada dignidade penal (conformidades constitucional e também convencional), o sistema penal deve ser visto como instrumento de tutela dos direitos e das liberdades públicas. Assim, pontuamos expressamente que se estabelece uma “complementação na relação possível entre direito penal e os direitos fundamentais, uma vez que esses últimos deixam de ser concebidos apenas como limites à atividade punitiva estatal, para serem entendidos também como fundamentos, enquanto objeto de defesa, da atuação penal e processual penal” [32].

É-nos absolutamente tranquilo afirmar que as cláusulas convencionais protetivas dos direitos fundamentais exigem dos sistemas jurídicos domésticos a condução de investigações aprofundadas, céleres e diligentes, tendo como finalidade a tentativa de esclarecer os fatos e punir os responsáveis ao final do processo (identificando-se nítida hipótese de prevenção geral). Portanto, fica muito claro que os deveres processuais positivos decorrem diretamente, como implicações imediatas, dos direitos humanos protegidos também nas Convenções.

Não custa relembrar que, “o reconhecimento das obrigações processuais penais positivas relacionadas à tutela das pessoas ofendidas é cada vez mais frequente nas sentenças da Corte europeia de direitos humanos[33].

Refira-se ainda que, em ambas as Cortes supranacionais, são encontrados julgados com expressa fundamentação no sentido de existir um dever de o Estado investigar e processar os responsáveis por violações de direitos humanos como única forma de evitar a impunidade, tentando-se evitar também a reiteração de condutas lesivas e o desamparo das vítimas e seus familiares.

O processo deve ser adequado, idôneo na busca do esclarecimento de crimes. Porém não há como se visualizar um processo penal sem levar em consideração, necessariamente, os direitos e os deveres fundamentais de todos os envolvidos na esfera de responsabilização criminal. Mais objetivamente: o processo penal deve ser compreendido sempre como um instrumento de garantia dos imputados e também de busca da realização das consequências previstas na lei penal (daí a compreensão integral de que se fala). Nesse ponto, aliás, e acolhendo  nossas proposições de observância de um “garantismo penal integral”, rememoramos a fala do Ministro Edson Fachin em sua exposição no dia 16 de junho de 2020 no Congresso Online Internacional de Direito Público CERS, em que, tecendo corretas e firmes críticas quando abordava o tema “Seletividade do Sistema Punitivo e a Jurisdição Constitucional”, assentou expressamente que um dos pilares essenciais do sistema “evidentemente se refere a algo sentido e alcance da expressão direitos e garantias aplicáveis como elementos de defesa de todos aqueles que são chamados a responder por atos ou omissões elevados ao estatuto de ilícitos de estatuto penal […]  entendemos que a expressão do garantismo integral significa garantir, assegurar direitos e garantias insculpidos quer na Constituição, quer em consonância com a Constituição, na legislação infraconstitucional, e ao mesmo tempo também garantir a resposta justa, adequada e necessária às transgressões e aos ilícitos ou que tenham sido cometidos.[…]  O Brasil já chegou a ser condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos porque não tem eficiência nas suas respostas … entendo que essas duas dimensões, da garantia e da resposta punitiva, devam merecer consideração de uma dimensão do garantismo integral”.

Significa que, para cumprir com as exigências decorrentes da proteção de (todos) os direitos previstos convencionalmente, “os sistemas jurídico-penais internos devem predispor estrutura de atuação e mecanismos adaptados a prevenir, coibir e sancionar efetiva e eficazmente as lesões verificadas” [34].  É que, “uma vez constatada a possibilidade concreta de ofensas a direitos penalmente tutelados pelas convenções internacionais de direitos humanos, é necessário que as autoridades jurisdicionais e de polícia busquem efetivar a punição dos autores de delitos, mediante a identificação adequada do fato e dos responsáveis em procedimento conduzido de forma aprofundada, diligente e ágil, caracterizado por um esforço autêntico e aplicado na reconstrução dos fatos e na identificação das responsabilidades[35].

Por todas essas razões é que sustentamos, em apertada síntese, que “as obrigações processuais penais positivas podem ser caracterizadas como um dever imposto aos Estados Partes de conduzir procedimento investigativo eficiente e processo penal apto a assegurar o acertamento dos fatos ilícitos e a punição dos eventuais autores, sob pena de violação concreta dos dispositivos das convenções regionais de direitos humanos que estipulam a salvaguarda dos direitos fundamentais envolvidos nas práticas ilícitas” [36].

8. A cisão processual como pressuposto de maximização das obrigações processuais penais positivas.

A teoria não pode se distanciar da prática: elas precisam andar lado a lado, em constantes ajustes e conformidades. Nessa linha, três rápidas constatações importantes  no âmbito da Operação Lava Jato.

Primeiro, foi o julgamento da Reclamação n. 17.623. Relembre-se que, nesse momento, já estava em andamento da Operação Lava Jato, iniciada em procedimentos perante vara federal em Curitiba. Um dos presos destacou que, na investigação realizada, estariam envolvidos dois deputados federais, que possuiriam prerrogativa de foro. Os autos foram avocados pelo STF. Verificou-se que, de fato, havia dois parlamentares envolvidos, mas até então ninguém sabia que eram detentores de prerrogativa de foro, pois utilizavam codinomes nas práticas criminosas. A Suprema Corte, por intermédio da 2ª Turma, decidiu que não havia nenhuma nulidade (Serendipidade e Teoria do Juízo Aparente), mas que deveriam ficar no STF exclusivamente os fatos relacionados aos parlamentares, determinando a imediata cisão dos demais fatos (conexos e/ou com continência subjetiva) com retorno para primeiro grau, permitindo-se o regular andamento dos feitos perante o juízo natural competente.

A partir das duas primeiras colaborações premiadas realizadas (Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef), diversos fatos e inúmeras pessoas foram referidos (quase todos com corroboração de prova). Após o regular procedimento de homologação dos feitos [37], a Suprema Corte autorizou inicialmente a manutenção de alguns casos no âmbito de sua competência, mas determinou a imediata cisão de todos os demais que não justificassem diretamente a sua competência extraordinária. A cisão processual foi a regra novamente.

Também em determinado momento houve a revelação de que o esquema criminoso praticado por várias pessoas não estava circunscrito ao desvio de recursos da Petrobras, mas igualmente havia nítidas práticas similares em relação ao patrimônio da Eletrobras (fatos normalmente ocorridos no Rio de Janeiro e, em tese, sem vinculação direta com os demais fatos em relação aos quais havia prevenção da Justiça Federal em Curitiba/PR). Novamente a cisão foi realizada.

Em todos esses casos (e são apenas alguns exemplificativos) não há nenhuma dúvida: além de absolutamente legais, as cisões processuais geraram maior eficiência nas apurações dos fatos. Exatamente por isso cita-se em complemento reconhecimento da Corte Especial do STJ no sentido de que “como regra geral, no concurso de agentes, o desmembramento de inquéritos ou de ações penais de competência originária, em relação aos réus não detentores de foro por prerrogativa de função. Tal assertiva busca, além da obediência ao mencionado princípio da “razoável duração do processo” (art. 5º, LXXVIII, CF/88), o respeito às normas constitucionais definidoras da competência ratione muneris, as quais são de direito estrito” [38], bem assim que “em observância à razoável duração do processo, é recomendável que a Ação Penal seja desmembrada, preservando-se os princípios do juiz natural e da razoável duração do processo. Nesse sentido, colhe-se do STF: AP 336-AgR/TO, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 10/12/2004; Inquérito 1.690, Plenário, relatado pelo Ministro Carlos Velloso; AP 351/SC, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 17/9/2004; PET nº 2.020-QO/MG, Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 31/8/2001. No mesmo sentido: STF, Inq 3.842 (Segunda Turma) e Inq 4.130 (Plenário)” [39].

Como dito anteriormente, se a reunião processual não pode se dar por mera coveniência, os dados empíricos acima reforçam que a separação processual (cisão) maximiza o pressuposto anterior. Noutras palavras, a cisão processual – para além de ser a regra procedimental preponderante – é um fator que auxilia e muito a melhor apuração dos fatos, evitando-se congestionamento e tumulto processuais.

9. Uma solução processual diante de todas premissas fixadas: a cisão  como regra com fundamento no art. 80 do CPP.

Dispõe o art. 80 do Código de Processo Penal que  “será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação”.

Como defendemos na companhia de Eugênio Pacelli há muito tempo, não se trata de uma mera faculdade discricionária. É que toda a questão gira em torno da preocupação com a efetividade da função jurisdicional, no sentido da duração razoável do processo, eventualmente ameaçada, seja por força da aplicação de determinadas regras procedimentais, como a conexão, por exemplo, seja pelas próprias circunstâncias judiciais do caso concreto”. Desse modo, concluímos, “na conexão […]  quando a separação de processos se revelar mais conveniente que a reunião deles, prevista nos casos do art. 76, CPP, há que se dar primazia à regra do art. 80, CPP” [40].

Não por outras razões que, no controle da aplicação das leis,  o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que “nos casos em que a reunião dos processos, mesmo diante da configuração da conexão, se torne inconveniente, seja em razão da complexidade da ação penal, da pluralidade de réus ou de qualquer outro motivo relevante, o Juiz da instrução pode se valer da regra contida no artigo 80 do Código de Processo Penal, para manter a separação dos feitos” [41]

Noutras palavras, para além do entendimento do STF de que a regra deve ser a cisão processual, o tema é reforçado pela correta compreensão do disposto no art. 80 do CPP: deve-se conferir primazia à separação processual em face da reunião procedimental.

10. Ponderação acerca de casos anteriores à decisão do STF em que poderia haver eventual conexão probatória: higidez total, sem qualquer nulidade a ser declarada.

Como anunciado anteriormente, já existem alguns posicionamentos no sentido de que, em face da novel decisão do STF, as ações penais que tramitaram perante outros juízos (inclusive com eventuais condenações e absolvições) deveriam ser anuladas e tudo ser remetido para a Justiça Eleitoral analisar eventual conexão.

Tal raciocínio está manifestamente equivocado, data venia.

Primeiro porque as regras de processo penal aplicam-se para o futuro, presente o princípio tempus regit actum. Ou seja, se os atos foram praticados segundo a legislação (e sua interpretação) vigente em determinado momento eles serão absolutamente hígidos[42]. Esse pressuposto se aplica de forma idêntica à mudança de entendimento jurisprudencial acerca de determinada forma de procedimento. É que, “a mudança de entendimento jurisprudencial (futuro) acerca de como deveria ser praticado determinado ato não pode retroagir para desfazer ou alterar o que (no passado) foi praticado segundo os ditames vigentes (mesmo que em decorrência de compreensão jurisprudencial, desde que pacificada” [43].

Em situações similares de modificação de jurisprudência acerca de procedimentos,  o Supremo Tribunal Federal reiteradamente tem reconhecido que devem permanecer hígidos os atos praticados anteriormente. É o que se vê, exemplificativamente, na decisão Plenária no HC n. 127.900-AM [44], na qual foi fixada a orientação de que “a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado”. Ou seja, preservaram-se todos os atos já praticados frente ao princípio do tempus regit actum, exatamente o entendimento consolidado em reiterada jurisprudência do STJ e do STF [45], como se vê também no próprio julgamento que implicou entendimento mais restritivo da prerrogativa de foro na Questão de Ordem na Ação Penal n. 937 [46].

Portanto, embora algumas remissões a entendimentos antigos (e dissociados do que decidido e em sua dimensão), o novo entendimento do STF (de que havendo possível conexão deverá ela ser analisada pela Justiça Eleitoral, e dentro dos limites estritos do que já abordado aqui) não se aplica a processos em que já exaurida a jurisdição com sentença de mérito (absolutória ou condenatória).

Em segundo lugar porque há muito está corretamente sedimentado que a definição do juiz natural se dá pela imputação criminal. Se pelo que narrado na peça acusatória e a sentença condenatória e/ou absolutória for exarada pelo juízo (natural) competente (correlação) nada deve ser objeto de nulidade no futuro se os atos foram praticados de acordo com o juízo competente (natural). Ademais, repise-se aqui, é bastante comum a instauração de processos penais possivelmente conexos em juízos distintos. Nesses casos, a solução é bastante simples, aplicando-se a regra do art. 82 do CPP, segundo a qual o juízo prevalente (no caso eleitoral) poderá “avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva“, hipótese em que “a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas” (art. 82, CPP).

Em terceiro lugar, há se ver que a eventual violação da competência da Justiça Eleitoral (supostamente a prevalente para reunião, se presentes elementos de conexão) ocasionaria exclusivamente a nulidade dos processos em relação aos crimes de sua competência própria se não observado o devido processo legal, jamais aqueles que estariam afetos aos juízos (naturais) competentes, segundo as regras constitucionais de fixação de competência em razão da matéria.

Impende realçar que o enfrentamento dos temas relacionados à  competência por prerrogativa de foro e em razão da matéria merecem tratamento idêntico na medida em que ambas são de natureza absoluta. Partindo dessa premissa, há se rememorar julgado do STF em que detentor de prerrogativa de foro foi investigado perante juízo manifestamente incompetente. Em relação a ele, reconheceu-se a violação da competência absoluta, invalidando-se as provas produzidas. Ocorre que terceiros envolvidos, em tese, com o parlamentar detentor da prerrogativa em fatos conexos sustentaram que também eles deveriam ter sido investigados e processados perante o “juízo prevalente” (no caso o STF, presente a conexão e a continência subjetiva). A pretensão era bem clara: teria havido “nulidade de todas as provas” produzidas em primeiro grau (o juízo natural se não houvesse o envolvimento do parlamentar, único detentor da prerrogativa de foro no STF). Solucionando a questão, o STF assentou expressamente que “a usurpação da competência do STF traz como consequência a inviabilidade de tais elementos operarem na esfera penal do denunciado“. Assim, arrematou a Corte Suprema, a nulidade das provas reconhecida exclusivamente quanto ao parlamentar “não alcança os acusados destituídos de foro por prerrogativa de foro[47].

A decisão é absolutamente correta. Se nulidade houver, ela se apresenta exclusivamente em relação às provas produzidas quanto à não observância da competência por prerrogativa de foro ou em razão da matéria (tratamento idêntico para ambos casos de competência absoluta). Em relação a demais envolvidos (continência subjetiva) ou a fatos de competência em razão da matéria (conexão, nos termos dos incisos II e III do art. 76 do CPP), que forem eventualmente processados pelo juízo natural (isoladamente visto), nada há se nulificar. Tanto é assim que, na realidade das coisas – sem se cogitar de qualquer hipótese de nulidade -, o art. 82 do CPP refere que o juízo prevalente (no caso eleitoral) poderáavocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva“. Nesse caso de já haver sentença (embora devesse haver a reunião processual) “a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas” (art. 82, CPP), circunstância que se coaduna com a Súmula 235 do STJ: “A conexão não determina a reunião dos processos se um deles já foi julgado”.

Clara a demonstração de que, tecnicamente, não existe nulidade alguma a ser declarada nessas situações.

 10.1 A situação extrema em que réu absolvido sumariamente da prática de crime eleitoral quer, mediante reclamação no STF, a anulação da decisão absolutória para, como consequência, deslocar competência para a Justiça Eleitoral de todos os crimes que responde de forma remanescente.

Há situações extremas que demonstram que a real finalidade de alguns é exclusivamente buscar a indevida nulificação de processo criminal que foi instruído e processado segundo a observância das regras de competência processual.

No bojo da Reclamação n. 34.796, ajuizada em 10.5.2019, após 3 anos da prática do ato processual, determinado réu em ação penal perante a 13ª Vara Federal de Curitiba/PR quer que se afaste a decisão que, sendo-lhe benéfica, rechaçou a existência de elementos de crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral, tendo como efeito material verdadeira absolvição sumária.

Originariamente, esse (agora) reclamante possuía prerrogativa de foro no STF e, nessa condição, teve contra si recebida a denúncia ofertada pelo Procurador-Geral da República no dia 22.6.2016 (Inquérito n. 4.146)  por suposto crime do art. 350, Código Eleitoral, além da prática de de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas[48]. Em virtude da perda de seu mandato em 14.9.2016, os autos foram remetidos para a 13ª Vara Federal em Curitiba (pela conexão com outra ação penal). Ao receber os autos[49], o juízo de primeiro grau enviou os autos ao Ministério Público para que ratificasse ou não a denúncia. O MPF ratificou a denúncia, salvo quanto ao crime eleitoral, por entender que não havia nenhum substrato fático quanto ao crime eleitoral.  O juízo de primeiro grau reconheceu expressamente a “ausência de tipicidade material do crime eleitoral”, ratificando o recebimento da denúncia unicamente quanto aos demais fatos.

Duas observações importantes:

1) Como sustentamos há muito, tecnicamente não seria caso de “ratificação da denúncia”, pois ela fora recebida pelo juízo competente à época (Plenário do STF). Presente o princípio do tempus regit actum, deveria ter sido dado regular andamento ao feito no estágio que se encontrava;

2) Malgrado essa circunstância, não há dúvida alguma de que a decisão do juízo de primeiro grau (diante da manifestação do Ministério Público) implicou verdadeira absolvição sumária quanto ao delito do art. 350 do Código Eleitoral. Mesmo que se possa argumentar eventualmente que o juízo federal não poderia absolver sumariamente réu sobre fato que estivesse forade sua competência, impende rememorar que, na linha de pacífica jurisprudência do STF, essa decisão – por ser mais favorável ao réu – não pode ser objeto de revisão, pois transitou em julgado (vedada a reformatio in pejus [50]). Essa a razão, inclusive, pela qual o réu, devidamente intimado desse ato de absolvição sumária, não apresentou irresignação alguma (até porque, em tese, faltaria interesse jurídico no recurso, pois se tratava de decisão com cunho efetivamente mais favorável).

A ação penal prosseguiu em relação aos três fatos correlatos a crimes da competência da justiça federal comum (crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas), com sentença condenatória proferida em 30.3.2017, sendo confirmada pelo TRF4 em 21.11.2017.

Passados aproximadamente 3 anos da decisão que lhe foi favorável – e não apresentada nenhuma irresignação – o réu ajuizou a reclamação retromencionada no STF sob o fundamento de que a decisão do juízo de primeiro grau teria “afrontado” o que decidido pelo Plenário do STF anteriormente (com o recebimento da denúncia em relação aos quatro fatos originariamente imputados). A finalidade está bem clara nos “pedidos” da reclamação: suspender ação penal em andamento, além de execução penal de outra condenação, com concessão de liberdade, restabelecendo-se a “autoridade” da decisão proferida pelo Plenário do STF, de modo que os autos sejam remetidos para a Justiça Eleitoral.

Como se vê, a reclamação (totalmente desvirtuada de seus propósitos legais) foi ajuizada com a finalidade de “restabelecer” uma situação mais gravosa ao reclamante, embora a pretensão é uma nulidade por suposta violação do juiz natural.

A pretensão é descabida por três fundamentos essenciais.

O primeiro é que, de acordo com a uníssona jurisprudência do STF, a reclamação não se presta para, de modo transverso, substituir o recurso que deveria ter sido interposto na época contra a decisão agora objeto da reclamação. Atente-se para que a Suprema Corte reafirma cotidianamente que “a reclamação, por expressa determinação constitucional, destina-se a preservar a competência desta Suprema Corte e garantir a autoridade de suas decisões, ex vi do artigo 102, I, l, da CF além de salvaguardar o estrito cumprimento dos enunciados da Súmula Vinculante, nos termos do artigo 103-A, § 3º, da Constituição, incluído pela EC n. 45/2004″. Nesse particular, “a jurisprudência desta Suprema Corte estabeleceu diversas condicionantes para a utilização da via reclamatória, de sorte a evitar o uso promíscuo do referido instrumento processual”. Essa a razão pela qual a “reclamação é impassível de ser manejada como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, bem como é inadmissível a sua utilização em substituição a outras ações cabíveis”  [51].

O segundo é que, como aqui defendido, o precedente do STF tomado em 2019 não pode ter efeitos retroativos para incidir sobre decisão tomada no ano de 2016, em que a finalidade única não é proteger qualquer direito fundamental do reclamante, mas unicamente “implantar” uma suposta nulidade (de modo retroativo) em ato jurisdicional perfeito, materialmente correto e em benefício do próprio reclamante. A jurisprudência é reiterada do STF no sentido de ser “inviável o uso da reclamação para questionar a violação da autoridade de decisão deste Supremo Tribunal quando o ato reclamado é anterior ao parâmetro suscitado“ [52]. Ou seja, a decisão „reclamada“ foi tomada muito tempo antes do „novo entendimento paradigmático“ invocado na reclamação. A solução é imperiosa no sentido do seu total descabimento.

E ainda nesse tópico: na mesma linha de jurisprudência do STF [53], convém relembrar que não cabe eventual concessão de habeas corpus de ofício em reclamação não admitida, sob pena de supressão de instância. Não se pode esquecer que a reclamação é uma espécie de irresignação ajuizada diretamente na Suprema Corte, enquanto o habeas corpus precisa observar o necessário escalonamento de acordo com as autoridades coatoras. Assim, se a reclamação é contra decisão de juiz de primeiro grau, habeas corpus (inclusive se ofício) somente pode ser concedido em sede de tribunal de apelação correspondente.

E o terceiro diz exatamente com o fato de que a pretensão deduzida viola, direta e frontalmente, a boa fé objetiva. A propósito do tema, cita-se que, bem recentemente, o STJ reafirmou que “o art. 5º do Código de Processo Civil de 2015, pelo qual “[a]quele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”, tem aplicação no Código de Processo Penal.” Assim, “a contradição entre o direito arguido e a anterior conduta processual ofende a boa-fé objetiva, na medida do nemo potest venire contra factum proprium”. É que, “consoante dispõe expressamente o art. 565 do Código de Processo Penal, nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa. Isso porque ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, diante do princípio da lealdade processual, derivado da boa-fé” [54]. Na mesma linha, assentou que “vige no sistema processual penal o princípio da lealdade, da boa-fé objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais, não sendo lícito à parte arguir vício para o qual concorreu em sua produção, sob pena de se violar o princípio de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza – nemo auditur propriam turpitudinem allegans”[55].

E para sedimentar qualquer plausibilidade de pretensões como a noticiada, veja-se que a própria Suprema Corte não admite a reclamação que, ajuizada de forma claramente desvirtuada, viole a boa-fé objetiva: […] 1. A reclamação, por expressa determinação constitucional, destina-se a preservar a competência desta Suprema Corte e garantir a autoridade de suas decisões, ex vi do artigo 102, I, l, da CF além de salvaguardar o estrito cumprimento dos enunciados da Súmula Vinculante, nos termos do artigo 103-A, § 3º da Constituição, incluído pela EC n. 45/2004. […]  2. A boa-fé objetiva impede que a defesa se valha de suposto prejuízo a que deu causa, nos termos do artigo 565 do Código do Processo Penal. Precedentes: HC 91.711, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 21/11/2013 e HC 103.039-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 18/08/2011.  […]  8. Agravo regimental desprovido [56].

11. Conclusões.

A partir de uma interpretação sistemática dos preceitos constitucionais e legais, pode-se exarar conclusões com as seguintes assertivas:

1) Equivocou-se o STF ao admitir que regras de competência absoluta (competência em razão da matéria fixadas na Constituição Federal) possam ser modificadas por  normas infraconstitucionais (art. 76, II e III, CPP e/ou art. 35, II, Código Eleitoral).

2) Superado esse tema, tem-se que não será qualquer fato ou arguição na justiça comum de possível crime eleitoral conexo que ensejará o deslocamento da competência. Assim, não serão meras ilações ou possibilidades/probabilidades de ocorrência de fato criminoso eleitoral que ensejarão o deslocamento da competência: será fundamental a indicação de  dados objetivos e concretos. Sem que tenha sido preenchido esse (primeiro) pressuposto não há se falar, em hipótese alguma, na pretensão a deslocamento da competência da Justiça comum (federal ou estadual) para a eleitoral para a análise da possível manutenção dos feitos de forma unificada.

3) Se já instaurada ação penal em determinado juízo com inquéritos possivelmente conexos também em andamento, o deslocamento desses inquéritos para a Justiça Eleitoral analisar eventual competência sua não deslocará a ação penal já em andamento em que não há qualquer imputação de crime eleitoral. Ou seja, a mera possibilidade da existência de fatos a serem apurados em inquéritos não implicará jamais o concomitante deslocamento de ação penal possivelmente conexa que já corre perante juízo (natural) competente (em razão dos fatos imputados, que delimitam a competência). O que poderá ocorrer é, no máximo, se devidamente comprovado ulteriormente o crime eleitoral num dos procedimentos investigatórios (com a respectiva denúncia recebida) é que o juízo prevalente poderá “avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva“, hipótese em que “a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas” (art. 82, CPP).

4) O crime tipificado no art. 350 do Código Eleitoral caracteriza-se como verdadeira hipótese de falsidade ideológica para fins eleitorais. Além disso, doações eleitorais não declaradas não implicarão necessariamente a possibilidade de denúncia pela prática do crime do art. 350 do Código Eleitoral. Do que se verifica normalmente em crimes dessa natureza (recebimento de dinheiro para campanha eleitoral de origem espúria e não declarada) vai larga a distância técnica para seu eventual enquadramento legal (salvo bem delineada hipótese) na novel previsão inserta no art. 354-A do Código Eleitoral pela Lei nº 13.488/2017. Esse novo tipo penal (que não pode retroagir, princípio da anterioridade), e não é “caixa 2”, é uma espécie de “apropriação indébita” de valores que, legitimamente (sem qualquer origem espúria na origem, e devidamente declarados), provieram de valores para financiamento eleitoral.

5) Mesmo que haja elementos objetivos acerca da existência do crime eleitoral previsto no art. 350 da legislação específica, não haverá necessariamente conexão com eventuais crimes (previamente existentes) de corrupção e lavagem de dinheiro. O delito eleitoral não tem como finalidade ocultar crimes comuns (corrupção, lavagem, etc), mas sim, e eventualmente, ocultar gastos clandestinos realizados durante campanhas eleitorais. A falsidade ideológica eleitoral é praticada normalmente para ocultar um ilícito eleitoral (não necessariamente um crime), e não para ocultar eventuais crimes comuns anteriores como a corrupção, pois o produto dessa conduta normalmente é ocultada mediante outro fato autônomo e prévio também, a lavagem de dinheiro (ambos crimes ocorrem normalmente muito antes de eventual falsidade ideológica eleitoral). Essa falsidade, em regra, nada tem a ver com facililtar ou ocultar infrações anteriores, muito menos assegurar a impunidade delas. Igualmente a prova daqueles crimes não influem – direta e objetivamente – na prova do eventual crime de falsidade. Portanto, dificilmente haverá conexão objetiva ou instrumental.

6) Razões de mera conveniência processual não justificam a reunião processual: segundo precedentes do STF e do STJ a simultaneidade processual reclama a demonstração de imprescindibilidade da reunião.

7) A reunião processual por conexão ou continência deverá ser exceção, enquanto a regra, a cisão. Expresso reconhecimento pelo STF  (inclusive em julgado anterior no bojo  mesmo Inquérito 4.435, porém perante a 1ª Turma, utilizando a mesma premissa) de que “o desmembramento seja a regra geral, admitindo-se exceção nos casos em que os fatos relevantes estejam de tal forma relacionados que o julgamento em separado possa ocasionar prejuízo relevante à prestação jurisdicional. […] o desmembramento, como regra, deve ser determinado na primeira oportunidade possível, tão logo se possa constatar a inexistência de potencial prejuízo relevante. […]”. Ou seja, se não for demonstrado pelo Ministério Público que é imprescindível a apuração conjunta dos fatos, a cisão deverá ser realizada de forma obrigatória.

8) São inúmeros os precedentes da Corte Europeia e Interamericana de Direitos Humanos sobre a existência de obrigações de as autoridades públicas responsáveis pela investigação e/ou persecução penal conduzirem procedimentos adequados, completos e eficazes, na tentativa de responsabilização dos autores dos delitos. Noutras palavras, as obrigações processuais penais positivas podem ser caracterizadas como um dever imposto aos Estados Partes de conduzir procedimento investigativo eficiente e processo penal apto a assegurar o acertamento dos fatos ilícitos e a punição dos eventuais autores, sob pena de violação concreta dos dispositivos das convenções regionais de direitos humanos que estipulam a salvaguarda dos direitos fundamentais envolvidos nas práticas ilícitas.

9) A cisão processual é uma forma de maximização das obrigações processuais penais positivas: demonstra-se empírica e hialinamente que a separação de feitos confere como regra a melhor eficiência na apuração dos fatos e punição dos possíveis responsáveis por fatos criminosos.

10) Por todos os fundamentos anteriores, a solução dos casos passará pela aplicação do art. 80 do CPP, segundo o qual “será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação”. Dentro dessa ótica, é importante não olvidar que, quando a separação de processos se revelar mais conveniente do que a reunião deles, prevista nos casos do art. 76, CPP, deve-se dar primazia à regra do art. 80, CPP.

11) Não há nulidade alguma a ser declarada nos feitos já sentenciados em outros juízos para que se possa analisar eventual conexão com crimes eleitorais.  Primeiro, porque a novel interpretação conferida pelo STF deve ser aplicada para o futuro, sem efeitos retroativos (regra processual: tempus regit actum), conforme já reconhecido em vários casos de alteração de procedimento por via de interpretação jurisprudencial. Depois porque a  definição do juiz natural se dá pela imputação criminal. Se pelo que narrado na peça acusatória e a sentença condenatória e/ou absolutória for exarada pelo juízo (natural) competente (correlação) nada deve ser objeto de nulidade no futuro se os atos foram praticados de acordo com o juízo originariamente competente.

  1. É totalmente descabida a utilização da reclamação constitucional para, com efeitos retroativos, pretender fazer incidir a novel decisão do STF sobre fatos processuais praticados segundo a jurisprudência vigorante à época: “inviável o uso da reclamação para questionar a violação da autoridade de decisão deste Supremo Tribunal quando o ato reclamado é anterior ao parâmetro suscitado“ (STF, Reclamação nº 34.599, DJ 13.5.2020). Ademais, a “reclamação é impassível de ser manejada como sucedâneo de recurso ou revisão criminal” (STF, Reclamação nº 32.797, DJ 27.3.2019), muito menos comporta concessão de habeas corpus de ofício, sob pena de supressão de instância (STF, Agravo Regimental na Reclamação nº 24.768, DJ de 1º.9.2017).
    1. Há se destacar que eventual decisão (materialmente mais benéfica) que afastou a existência de crime eleitoral não pode ser revista por reclamação, tanto por não está presente interesse recursal como porque, e mais relevante, há se prestigiar a boa fé objetiva, que impede que a parte que concordou com ato processual no passado (não interpondo recurso próprio) possa, ulteriormente, invocar novo precedente para desfazer o que lhe foi benéfico.

Referências bibliográficas

Fischer, Douglas.  Prerrogativa de Foro e Competência Originária do Supremo Tribunal Federal: uma (re)leitura dos preceitos da Constituição Brasileira como forma de maximização do Princípio Republicano da Isonomia. In: Vilvana Damiani Zanellato. (Org.). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – Temas Relevantes. 1ed.Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014.

_____; Crimes Eleitorais em tese conexos com outros crimes – uma proposta de solução de questões processuais segundo a doutrina e a jurisprudência dos tribunais. Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, 2020, n. 85, p. 101 e seguintes. ISSN 0101-6342.

_____; Marques, Claiton Renato Macedo. Considerações sobre a correta aplicação da Súmula 704 do STF. Interesse Público, v. 55, p. 141-156, 2009. Também em Revista da Ajuris, v. 80,  2008.

Gonçalves, Luiz Carlos dos Santos. Mandados expressos de criminalização e a proteção de direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

Pacelli, Eugênio. Fischer, Douglas.  Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 12ª edição, 2020. São Paulo: Atlas/Gen.

Pereira, Frederico Valdez; Fischer, Douglas. As Obrigações Processuais Penais Positivas – Segundo as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2 ed, 2019.


[1]Crimes Eleitorais em tese conexos com outros crimes – uma proposta de solução de questões processuais segundo a doutrina e a jurisprudência dos tribunais. Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, 2020, n. 85, p. 101 e seguintes. ISSN 0101-6342.

[2] Fischer, Douglas.  Prerrogativa de Foro e Competência Originária do Supremo Tribunal Federal: uma (re)leitura dos preceitos da Constituição Brasileira como forma de maximização do Princípio Republicano da Isonomia. In: Vilvana Damiani Zanellato. (Org.). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – Temas Relevantes. 1ed.Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2014, v. 1, p. 101-135.

[3] DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. QUESTÃO DE ORDEM EM AÇÃO PENAL. LIMITAÇÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO AOS CRIMES PRATICADOS NO CARGO E EM RAZÃO DELE. ESTABELECIMENTO DE MARCO TEMPORAL DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA. […] I. Quanto ao sentido e alcance do foro por prerrogativa  1. O foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, na interpretação até aqui adotada pelo Supremo Tribunal Federal, alcança todos os crimes de que são acusados os agentes públicos previstos no art. 102, I, b e c da Constituição, inclusive os praticados antes da investidura no cargo e os que não guardam qualquer relação com o seu exercício. 2. Impõe-se, todavia, a alteração desta linha de entendimento, para restringir o foro privilegiado aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo. É que a prática atual não realiza adequadamente princípios constitucionais estruturantes, como igualdade e república, por impedir, em grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos por crimes de naturezas diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima do sistema penal, nesses casos, frustra valores constitucionais importantes, como a probidade e a moralidade administrativa. 3. Para assegurar que a prerrogativa de foro sirva ao seu papel constitucional de garantir o livre exercício das funções – e não ao fim ilegítimo de assegurar impunidade – é indispensável que haja relação de causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo. A experiência e as estatísticas revelam a manifesta disfuncionalidade do sistema, causando indignação à sociedade e trazendo desprestígio para o Supremo. […] 7. Aplicação da nova linha interpretativa aos processos em curso. Ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e demais juízos com base na jurisprudência anterior.  […]  (Questão de Ordem na Ação Penal n. 937-RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, STF, Plenário, julgado em 3.5.2018, publicado no DJ em 11.12.2018)

[4] Salvo melhor juízo, a única questão que implicará conjugação de regras em razão das funções com a matéria está consubstanciada na Súmula 702 do STF (“A competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau”). Pensamos que, nesse caso, está correta a conjugação das regras, na medida em que a Constituição Federal não dispôs expressamente sobre a competência.

[5] Fischer, Douglas; Marques, Claiton Renato Macedo. Considerações sobre a correta aplicação da Súmula 704 do STF. Interesse Público, v. 55, p. 141-156, 2009. Também em Revista da Ajuris, v. 80, p. 81, 2008.

[6] Confira-se o julgamento proferido pelo STF na Medida Cautelar em ADI nº 3.684-0-DF :  “Competência Criminal. Justiça do Trabalho. Ações penais. Processo e julgamento. Jurisdição penal genérica. Inexistência. Interpretação conforme dada ao art. 114, incs. I, IV e IX, da CF, acrescidos pela EC nº 45/2004. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida com efeito ex tunc. O disposto no art. 114, incs. I, IV e IX, da Constituição da República, acrescidos pela Emenda Constitucional nº 45, não atribui à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar ações penais.” (Medida Cautelar em ADI nº 3.684-0-DF, Rel. Min. Cezar Peluso, medida deferida, ex tunc, unânime, Plenário, julgado em 1º/02/2007, publicado no DJU de 03/08/2007)

[7] O Código Eleitoral – Lei n° 4.737/65 – foi recepcionado pela Constituição Federal como lei complementar.

[8] Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (Incluído pela EC n. 45/2004)

VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;

[9] Reportamos às nossas anotações no mesmo texto Fischer, Douglas; Marques, Claiton Renato Macedo. Considerações sobre a correta aplicação da Súmula 704 do STF. Interesse Público, v. 55, p. 141-156, 2009. Também em Revista da Ajuris, v. 80, p. 81, 2008.

[10] Embora estivessem analisando um caso concreto de declínio de um só crime pelo exaurimento da jurisdição do Supremo Tribunal Federal, algumas conclusões são importantes serem transcritas a partir da leitura da íntegra do julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal n. 937.

O Ministro Roberto Barroso foi expresso que se fizesse uma interpretação de que “no caso de parlamentares federais  […] somente haverá o foro perante o Supremo Tribunal Federal em relação a fatos praticados no  cargo e em razão do cargo.  […] Assim, se ele não era deputado federal na ocasião, ele não tem foro; e, se o fato não tiver nenhuma relação com o mandato – ele teve uma desavença com o vizinho -, também acho que não tem foro”. Reconheceu ainda de forma expressa – embora obiter dictum – que “a regra geral em Direito, pelo princípio republicano, é que as pessoas devem estar sujeitas à jurisdição de primeiro grau como todo mundo, salvo as situações expressamente contempladas na Constituição. Portanto, sem me comprometer, porque não tratei especificamente dessa questão, se o fato foi praticado quando era governador, a competência, em nenhuma hipótese, passará para o Supremo se ele vier a ser Deputado Federal. Isto está claro no meu voto. E, se ele não é mais o governador, a competência deixou de ser do Superior Tribunal de Justiça. Assim, em linha de princípio, eu mandaria para o primeiro grau.  […] Por isso que procurei demarcar uma tese tão próxima do caso concreto quanto possível, mas, filosoficamente, sou de entendimento de que a regra geral deve ser a jurisdição de primeiro grau”. Em complemento, o Ministro Celso de Mello também assentou que “todas as autoridades públicas hão de ser submetidas a julgamento, nas causas penais, perante os magistrados de primeiro grau, mas penso que o Supremo Tribunal Federal deva, enquanto a Constituição mantiver essas inúmeras hipóteses de prerrogativa de foro, interpretar a regra constitucional nos seguintes termos: a prerrogativa de foro somente terá pertinência nos delitos cometidos em razão do ofício e em estreita relação com o desempenho da função pública que justifica a outorga dessa medida extraordinária, sob pena de tal prerrogativa – descaracterizando-se em sua essência mesma degradar-se à condição de inaceitável privilégio de caráter pessoal. […]” Por sua vez, o Ministro Marco Aurélio  reconheceu que “a fixação da competência está necessariamente ligada ao cargo ocupado na data do cometimento da prática criminosa. E essa competência, em termos de prerrogativa, é única, não flexível, no que viria uma eleição posterior, após o término do mandato ou desincompatibilização, a implicar o deslocamento do processo da primeira instância para outro Tribunal, ressoando o novo mandato, para alguns – não sei por que acreditam tanto no taco dos Tribunais, com menosprezo à pedreira da magistratura, que é a primeira instância –, como verdadeiro escudo”. [..] “A premissa qual é? É a de que a prerrogativa de foro encerra exceção, e, como exceção, deve ser interpretada de forma estrita. Vale dizer que, havendo a prerrogativa de foro, é definitiva até o término do mandato que a gerou. Caso, posteriormente, aquele que detinha a prerrogativa é eleito para cargo diverso, o fato não implica o deslocamento do processo. Com isso, afasta-se, do cenário jurídico, o denominado elevador processual, o sobe e desce de inquéritos e ações penais. […]” E em complemento, tratando do tema quando exista eventual sucessão de mandatos (até para manter coerência com a tentativa de evitar o elevador processual e respeitar a equidade), o Ministro Edson Fachin pontuou objetivamente que “a proteção que se dá foro é atual: perdura apenas aos atos praticados em determinada legislatura”.

[11] Agravo Regimental na Petição n. 7.354 – DF, STF, 2ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 6.3.2018, publicado no DJ em 25.5.2018.

[12] Inquérito 4.146-DF, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22.6.2016, publicado no DJ em 4.10.2016.

[13] Habeas Corpus nº 69.325-3-GO, Redator p/ acórdão Min. Marco Aurélio Mello, Tribunal Pleno, julgado em 17.6.1992, publicado no DJ em 4.12.1992.

[14] […] conexao e a continencia – artigos 76 e 77 do Código de Processo Penal – não consubstanciam formas de fixação da competência, mas de alteração, sendo que nem sempre resultam na unidade de julgamentos – artigos 79, incisos I, II e pars. 1. e 2. e 80 do Código de Processo Penal. 3. O envolvimento de co-réus em crime doloso contra a vida, havendo em relação a um deles a prerrogativa de foro como tal definida constitucionalmente, não afasta, quanto ao outro, o juiz natural revelado pela alínea “d” do inciso XXXVIII do artigo 5. da Carta Federal. A continência, porque disciplinada mediante normas de indole instrumental comum, não e conducente, no caso, a reunião dos processos. A atuação de órgãos diversos integrantes do Judiciário, com duplicidade de julgamento, decorre do próprio texto constitucional, isto por não se lhe poder sobrepor preceito de natureza estritamente legal. 4. Envolvidos em crime doloso contra a vida Prefeito e cidadão comum, biparte-se a competência, processando e julgando o primeiro o Tribunal de Justiça e o segundo o Tribunal do Júri. Conflito aparente entre as normas dos artigos 5º, inciso XXXVIII, alinea “d”, 29, inciso VIII, alinea “a” da Lei Básica Federal e 76, 77 e 78 do Código de Processo Penal. (Habeas Corpus nº 70.581-AL, 2ª Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgado em 21.9.1993, publicado no DJ em 29.10.1993)

[15] Conflito de Competência n. 116.564-MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellize, 3ª Seção, 9.5.2012.

[16] Agravo Regimental no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 1.289.926 – RS, STJ, 5ª Turma, unânime, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 9.4.2019, publicado no DJ em 22.4.2019.

[17] Pacelli, Eugênio. Fischer, Douglas.  Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 12ª edição, 2020. São Paulo: Atlas/Gen, p. 208.

[18] Pacelli, Eugênio. Fischer, Douglas.  Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 12ª edição, 2020. São Paulo: Atlas/Gen, p. 220-221.

[19] Há pretensão a ser aprovado um tipo penal com a seguinte redação (que, de qualquer modo, não afasta a ocorrência de crimes de corrupção anteriormente à prática delitiva):

“Art. 350-A. Arrecadar, receber, manter, movimentar ou utilizar qualquer recurso, valor, bens ou serviços estimáveis em dinheiro, paralelamente à contabilidade exigida pela legislação eleitoral.

Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem doar, contribuir ou fornecer recursos, valores, bens ou serviços nas circunstâncias estabelecidas no caput.

§ 2º Incorrem nas mesmas penas os candidatos e os integrantes dos órgãos dos partidos políticos e das coligações quando concorrerem, de qualquer modo, para a prática criminosa.

§ 3º A pena será aumentada em 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), no caso de algum agente público concorrer, de qualquer modo, para a prática criminosa .

[20] Art.1º do Código Penal: Não há crime sem lei anterior que o defina. […]

[21] Não se pode esquecer a existência do delito de “corrupção eleitoral”, tipificado no art. 299 do Código Eleitoral, com a seguinte redação: “Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa”.

[22] Esse dado acerca da autoria, absolutamente inconsistente na maioria das vezes, é o que enseja a impossibilidade técnica de imputação do crime da falsidade ideológica eleitoral, exatamente para que não se cogite de inépcia da denúncia)

[23] Em princípio, poderá responder representação em face do disposto no art. 30-A da Lei n. 9.504 (gastos ilícitos), AIJE – Ação de Investigação Judicial Eleitoral –  ou AIME – Ação de Impugnação a Mandato Eletivo -, sendo nessas duas últimas por abuso de poder econômico, tendo como  consequências possíveis a cassação do registro, do diploma ou do mandato.

[24] Agravo Regimental na Ação Penal n. 804-DF, STJ, Corte Especial, unânime, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 20.5.2015, publicado no DJ em 5.6.2015.

[25] Habeas Corpus n. 81.811, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 22.10.2002, publicado no DJ em 22.11.2002.

[26] Embargos de Declaração no Inquérito n. 3.994, STF, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 7.8.2018, publicado no DJ em 5.9.2018.

[27] Terceiro Agravo Regimental no Inquérito nº 4.146-DF, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22.6.2016, publicado no DJ em 4.10.2016.

[28] Agravo Regimental na Petição n. 6.212-DF, STF, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 5.4.2018, publicado no DJ em 16.5.2018.

[29] Pereira, Frederico Valdez. Fischer, Douglas. Obrigações processuais penais positivas – Segundo as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2ed,  2019, p. 95.

[30] Pereira, Frederico Valdez; Fischer, Douglas. As Obrigações Processuais Penais Positivas – Segundo as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2 ed, 2019, p. 95.

[31] Gonçalves, Luiz Carlos dos Santos. Mandados expressos de criminalização e a proteção de direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 160 e 168.

[32] Pereira, Frederico Valdez; Fischer, Douglas. As Obrigações Processuais Penais Positivas – Segundo as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2 ed, 2019, p. 97.

[33] Pereira, Frederico Valdez; Fischer, Douglas. As Obrigações Processuais Penais Positivas – Segundo as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2 ed, 2019, p. 105.

[34] Pereira, Frederico Valdez; Fischer, Douglas. As Obrigações Processuais Penais Positivas – Segundo as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2 ed, 2019, p. 118.

[35] Pereira, Frederico Valdez; Fischer, Douglas. As Obrigações Processuais Penais Positivas – Segundo as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2 ed, 2019, p. 118-119.

[36] Pereira, Frederico Valdez; Fischer, Douglas. As Obrigações Processuais Penais Positivas – Segundo as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2 ed, 2019, p. 121.

[37] Para melhor entender o caso, remete-se ao inteiro teor do julgamento do Habeas Corpus n. 127.483-PR, impetrado contra a homologação do acordo, feito na época pelo (saudoso) Ministro Teori Zavascki. A decisão de mérito foi unânime e ali foram fixadas as balizas essenciais do procedimento da colaboração premiada nos moldes da Lei n. 12.850/2013)

[38] Agravo Regimental na Ação Penal n. 804-DF, STJ, Corte Especial, unânime, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 20.5.2015, publicado no DJ em 5.6.2015.

[39] Questão de Ordem na APn n. 885 – DF, STJ, Corte Especial, unânime, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15.8.2018, publicado no DJ em 28.8.2018.

[40] Pacelli, Eugênio. Fischer, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. São Paulo: Gen/Atlas, 2020, 12ª edição, p.227.

[41]  Conflito de Competência nº 122.043-SP, STJ, 3ª Seção, Rel. Min. Campos Marques, julgado em 28.12.2012, publicado no DJ em 5.12.2012.

[42] Salvo violação da competência absoluta, que não é o caso. Aliás, é o inverso, como insistentemente defendido: há se preservar a competência absoluta em razão da matéria, constitucionalmente definida.

[43] Pacelli, Eugênio. Fischer, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. São Paulo: Gen/ATlas, 2020, 12ª edição, p. 1242.

[44] HC n. 127.900-AM, STF, Plenário, Rel. Ministro Dias Tóffoli, julgado em 3.6.2016, publicado no DJ em 3.8.2016.

[45]  […] A Lei nova aplica-se imediatamente na instrução criminal em curso, em decorrência do princípio estampado no brocardo jurídico tempus regit actum, respeitando-se, contudo, a eficácia jurídica dos atos processuais já constituídos.  (Habeas Corpus nº 187.385-RJ, STJ, 5ª Turma, unânime, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 6.10.2011, publicado no DJ em 14.10.2011).

[…] O entendimento consolidado nesta Corte é de que os atos realizados na vigência da lei processual anterior não são prejudicados ou devem ser repetidos sobre as balizas da nova lei adjetiva, uma vez que no processo penal vige o princípio tempus regit actum, nos termos do art. 2º do CPP. […] (Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 463.386-SP, STJ, 5ª Turma, unânime, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 18.10.2018, publicado no DJ em 23.10.2018)

[…] No âmbito do direito processual penal, quando se fala em aplicação da lei no tempo, vige o princípio do efeito imediato, representado pelo brocardo latino tempus regit actum, conforme previsão contida no artigo 2º do Código de Processo Penal. […] (Habeas Corpus nº 216.684/MS, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 18.9.2012, publicado no DJ em 3.10.2012).

[…] 1. Nos termos da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal a partir do julgamento do INQ 571, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, a alteração da competência inicial em face de posterior diplomação do réu não invalida os atos regularmente praticados, devendo o feito prosseguir da fase em que se encontre, em homenagem ao princípio tempus regit actum (Inq 1459, Rel. Min. Ilmar Galvão). 2. O regular oferecimento e recebimento da denúncia perante o juízo natural à época dos atos desautoriza o pedido de arquivamento formulado nesta fase processual, em homenagem ao princípio da obrigatoriedade da ação penal. […] (Questão de Ordem na Ação Penal nº 905-MG, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 23.2.2016, publicado no DJ em 22.3.2016).

[46] […] “Aplicação da nova linha interpretativa aos processos em curso. Ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e demais juízos com base na jurisprudência anterior.  […] (Questão de Ordem na Ação Penal n. 937-RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, STF, Plenário, julgado em 3.5.2018, publicado no DJ em 11.12.2018)

[47] Inquérito n. 2.842-DF, STF, Plenário, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 2.5.2013, publicado no DJ em 27.2.2014.

[48] O Plenário do STF era a competente à época para o recebimento em relação aos quatro  fatos imputados diante do cargo que o réu ocupava, inclusive o suposto crime eleitoral.

[49] Que passaram a tramitar como ação penal n. 5051606- 23.2016.4.04.7000/PR.

[50] DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. […]  ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. DECISÃO PROFERIDA POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. PERSECUÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR POR FATO ANALISADO NA JUSTIÇA COMUM. IMPOSSIBILIDADE: CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL PERANTE O JUÍZO COMPETENTE. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. […] 2. A decisão que absolveu sumariamente o ora paciente no âmbito da Justiça Comum, em virtude da incidência de causa excludente de ilicitude, impossibilita a instauração de ação penal perante a Justiça Especializada, uma vez que o Estado-Juiz já se manifestou sobre o fato. Ainda que se trate de decisão proferida por juízo absolutamente incompetente, deve-se reconhecer a prevalência dos princípios do favor rei, favor libertatis e ne bis in idem, de modo a preservar a segurança jurídica que o ordenamento jurídico demanda. Precedentes. […] (Habeas Corpus n. 362.054–PB, STJ, 6ª Turma, unânime, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 9.8.2016, publicado no DJ em 23.8.2016)

[51] Agravo Regimental na Reclamação nº 32.797/MG, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 1º.3.2019 a 11.3.2019, publicado no DJ em 27.3.2019.

[52]Agravo Regimental na Reclamação nº 34.599, STF, 1ª Turma, unanimidade, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em sessão virtual encerrada em 14.4.2020, publicado no DJ em 13.5.2020.

[53] AGRAVO INTERNO. RECLAMAÇÃO. ALEGADA OFENSA À SÚMULA VINCULANTE 24. INEXISTÊNCIA NO CASO CONCRETO. 1. A instauração de inquérito policial para apurar outros crimes, além do previsto no art. 1º da Lei 8.137/1990, não ofende o estabelecido no que enunciado pela Súmula Vinculante 24. 2. Reclamação, cuja finalidade tem previsão constitucional taxativa, não admite o aprofundamento sobre matérias fáticas. 3. A concessão de habeas corpus ex officio pelo STF somente é cabível nas hipóteses em que ele poderia concedê-lo a pedido (art. 102, I, ‘i’, da Constituição Federal), sob pena de supressão de instância. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (Agravo Regimental na Reclamação nº 24.768, julgada em 21.8.2017, publicada no DJ em 1.9.2017)

[54] RHC nº 107.661/RO, STJ, 6ª Turma, unânime, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21.2.2019, publicado no DJ em 11.3.2019.

[55] HC n° 479.293/SP, STJ, 5ª Turma, unânime, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 7.2.2019, publicado no DJ em 15.2.2019.

[56] Agravo Regimental na Reclamação n. 25.733–SP, STF, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14.9.2018, publicado no DJ em 27.9.2018.

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