O objetivo do presente texto é analisar em que condições pode ser aplicado, no âmbito do processo penal, o disposto no art. 24-A da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), introduzido no ordenamento jurídico pela Lei nº 14.365, de 2022, cujo conteúdo é o seguinte:
Art. 24-A. No caso de bloqueio universal do patrimônio do cliente por decisão judicial, garantir-se-á ao advogado a liberação de até 20% (vinte por cento) dos bens bloqueados para fins de recebimento de honorários e reembolso de gastos com a defesa, ressalvadas as causas relacionadas aos crimes previstos na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas), e observado o disposto no parágrafo único do art. 243 da Constituição Federal.
§ 1º O pedido de desbloqueio de bens será feito em autos apartados, que permanecerão em sigilo, mediante a apresentação do respectivo contrato.
§ 2º O desbloqueio de bens observará, preferencialmente, a ordem estabelecida no art. 835 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 3º Quando se tratar de dinheiro em espécie, de depósito ou de aplicação em instituição financeira, os valores serão transferidos diretamente para a conta do advogado ou do escritório de advocacia responsável pela defesa.
§ 4º Nos demais casos, o advogado poderá optar pela adjudicação do próprio bem ou por sua venda em hasta pública para satisfação dos honorários devidos, nos termos do art. 879 e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 5º O valor excedente deverá ser depositado em conta vinculada ao processo judicial.
Mais especificamente, a questão é saber se em qualquer situação de bloqueio de bens deve-se garantir a reserva desse percentual para o pagamento dos honorários advocatícios.
Nem teceremos maiores comentários sobre a relevância das atividades dos advogados, que é uma premissa constitucional fundamental (e nossa também), bem assim sobre a (legítima) opção legislativa introduzida no ordenamento jurídico como forma de garantir o pagamento dos honorários do advogado, quando não disponíveis outros valores no patrimônio do constituinte para esse fim.
A lei parte do pressuposto de haver o “bloqueio universal dos bens”, fazendo duas ressalvas expressas: quando as causas forem relacionadas à Lei de Drogas, observando-se ainda a hipótese do parágrafo único do art. 243 da CF/88 (“Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei”).
Relembremos que o fato de não ter haver de forma expressa outras exceções na regra supramencionada não significa que não devamos compatibilizá-la com as demais disposições legais vigentes que tratam do tema de cautelares de apreensão de bens no campo processual penal.
De acordo com as regras gerais das cautelares penais, precisamos distinguir os institutos do sequestro criminal dos demais arrestos criminais.
O sequestro está previsto no art. 125 do CPP: “Caberá o sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro”. Conforme o art. 126 do CPP, o único requisito legal para incidir sobre bens imóveis é que seja demonstrada a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens (na hipótese de bens móveis, deve-se observar ainda se não for caso de busca e apreensão – art. 132 do CPP).
Na linha do que destacamos em nossos Comentários ao CPP e sua jurisprudência na companhia de Eugênio Pacelli (2023, 15ª edição, item 125.1):
Denomina-se, aqui (no CPP), sequestro o ato de constrição (indisponibilidade) de imóvel (ou de móveis, em algumas situações), em virtude de fundada suspeita de se tratar de bem adquirido com os proventos (receita, lucro) da infração penal.
A medida tem dois objetivos bem definidos e imediatamente apreensíveis.
Tutela-se, em primeiro lugar, a vítima da infração, de modo a se buscar a recomposição patrimonial do dano causado pelo crime.
De outro lado, pretende-se também a afirmação da efetividade do processo penal, fora do âmbito da imposição da pena privativa da liberdade e/ou de medidas cautelares de natureza pessoal. Com o sequestro da coisa adquirida com o produto econômico da infração, busca-se o enfraquecimento dos resultados mais essenciais dos crimes de natureza patrimonial, daí podendo-se esperar um mínimo de eficácia preventiva contra ações dessa natureza. Em tese, é claro.
O mesmo raciocínio é aplicável para as hipóteses da Lei de Lavagem de Dinheiro, na senda do que vem sendo reconhecido de forma tranquila pelo STJ e STF.
É importante não esquecer como linha de raciocínio que, havendo sequestro criminal, o agente que comete o delito ou qualquer pessoa a ele ligada não pode ter “vantagem alguma”, pois a consequência será a expropriação de quaisquer valores que possam decorrer, direta ou indiretamente, do acréscimo patrimonial a partir do crime. O § 1º do art. 133 do CPP (redação da Lei nº 13.964/2019) é expresso no sentido de que, do dinheiro apurado em leilão dos bens (caput) feito no processo criminal, “será recolhido aos cofres públicos o que não couber ao lesado ou a terceiro de boa-fé”, bem assim que, na forma do § 2º do mesmo dispositivo, “o valor apurado deverá ser recolhido ao Fundo Penitenciário Nacional, exceto se houver previsão diversa em lei especial”.
Tanto é assim que os bens auferidos a partir de prática criminosa estão excepcionados pelas reservas feitas na Lei nº 8.009/90, havendo inclusive previsão expressa no art. 3º, VI, que “a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: […] por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens”.
A Lei nº 13.964/2019 acresceu ainda uma nova figura no sistema geral que, limitada sua aplicabilidade aos casos em que a lei comine pena máxima superior a 6 anos de reclusão, precisa também ser bem equacionada, uma espécie de confisco por extensão:
Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.
§ 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:
I – de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e
II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.
§ 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
§ 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada.
§ 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada.
§ 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.
Acorremos novamente ao que defendemos na companhia de Pacelli em nossos Comentários ao CPP e sua jurisprudência (2023, 15ª ed, item 133, in fine):
Importante referir ainda a inserção do art. 91-A, CP, prevendo novos critérios e possibilidades de perda de valores equivalentes para a reparação do dano.
Tal como destacado no item 492.3, desde que o tipo penal em apuração preveja pena máxima em abstrato superior a seis anos, é possível decretar a perda não apenas dos bens que sejam produto ou proveito da infração criminosa, mas também (em caso de insuficiência para a reparação) de bens (que aí serão lícitos) correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com seu rendimento lícito. A finalidade da lei é bastante clara: evitar uma “blindagem” patrimonial por agentes criminosos que apresentem patrimônio que seja incompatível com seus rendimentos lícitos declarados.
A lei estabeleceu quais são os parâmetros para consideração do que seria o “patrimônio do condenado”. Serão os bens que lhe pertençam diretamente ou então também aqueles que tenha domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente (é dizer, em tese, patrimônio adquirido antes da prática criminosa apurada não poderá ser objeto de constrição). Igualmente são considerados aqueles bens que tenham sido transferidos a terceiros gratuitamente ou mediante contraprestação irrisória (totalmente desproporcional), considerando-se igualmente o marco temporal da data da infração criminosa.
Garante-se a possibilidade de o réu condenado demonstrar a total compatibilidade do seu patrimônio ou então a procedência lícita dos valores. Não se trata aqui de inversão probatória alguma, tal como já existe na legislação de lavagem de capitais (art. 4º, § 2º, Lei nº 9.613), e sim de uma certa “presunção” de ilicitude, amparada no desnível entre o patrimônio real e o declarado. Não se pode deixar de considerar que, para a decretação dessa perda, é imprescindível a existência de prévio requerimento do Ministério Público por ocasião do oferecimento da denúncia (para possibilitar o exercício do contraditório e ampla defesa), indicando-se o valor da diferença apurada e os bens sobre os quais deve incidir o gravame complementar
No § 5º do art. 91-A, CP, há a obrigatoriedade de que os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça em que tramita a ação penal: se na Justiça Federal, para a União; se na Justiça Estadual, para a respectiva unidade da federação.
Por fim, nos termos do acrescido inciso VI ao art. 3º da Lei nº 13.756/2018 pela Lei nº 13.964/2019, constituirão recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública – FNSP – aqueles valores que forem confiscados ou provenientes da alienação dos bens perdidos em favor da União Federal, nos termos da legislação penal ou processual penal. Destacamos compreender que se os valores apreendidos ou confiscados forem decorrentes de prática de crimes previstos na Lei Antidrogas, há de se observar, dentre outros, o art. 63-E da Lei nº 11.343, conforme redação da Lei nº 13.886, de 2019.
Essa previsão geral do Código Penal (introduzida pela Lei nº 13.964/2019) com reflexos sobre o processo penal guarda similitude com o disposto no art. 63-F da Lei de Drogas (acrescida pela Lei nº 13.886/2019): “Art. 63-F. Na hipótese de condenação por infrações às quais esta Lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele compatível com o seu rendimento lícito.
Portanto, os sequestros criminais pressupõem que os bens sejam de origem ilícita (e, agora, ainda a figura do sequestro por equiparação).
Diferentemente deles, temos as hipóteses de arrestos criminais, previstos nos arts. 134 e seguintes do CPP, cujos pressupostos legais são bem diversos, recaindo necessariamente sobre bens lícitos(com a ressalva da equiparação acima), exigindo-se apenas dois requisitos (certeza da infração e indícios suficientes da autoria – os mesmos do recebimento da denúncia, art. 41, CPP).
A finalidade dos arrestos é unicamente garantir a reparação do dano da prática criminosa (além do pagamento das despesas processuais e penas pecuniárias – art. 140 do CPP). Tanto nos parece correta a premissa que existe uma clara e correta limitação (que vale para todos os demais arrestos): somente pode haver a inscrição da hipoteca legal do imóvel ou imóveis necessários à garantia da responsabilidade (art. 134, § 4º, do CPP). Tudo que exceder à responsabilidade de reparação de dano, deve ser devolvida ao requerido (outra questão que confirma essa distinção é que, nos sequestros, não pode haver caução pelo requerido suposto autor do fato para levantar o sequestro, limitação que não se faz presente para os arrestos).
Os arrestos podem incidir sobre imóveis (preferencialmente), mas também sobre os móveis suscetíveis de penhora (art. 137 do CPP).
Como a finalidade é unicamente acautelatória para pagamento dos danos decorrentes do crime, a liquidação definitiva dos valores se dará não no juízo criminal (como ocorre com os sequestros), mas perante o juízo cível (art. 143 do CPP – Passando em julgado a sentença condenatória, serão os autos de hipoteca ou arresto remetidos ao juiz do cível (art. 63).
Essa distinção entre os institutos vem sendo feita de forma reiterada (e correta, deixamos claro) pela jurisprudência uníssona do STF e do STJ:
[…] O sequestro recai sobre bens adquiridos com o proveito do crime, diversamente do que ocorre com o arresto, o qual incide sobre bens de origem lícita. Em ambos os casos, é necessária a ocorrência do crime e a existência de indícios suficientes de autoria, situação que se encontra bem delineada na decisão proferida pelo Magistrado de primeiro grau. […] A ordem contida no art. 137 do CPP se refere apenas ao arresto, o qual, repita-se, recai apenas sobre bens obtidos licitamente, com a finalidade de assegurar eventual necessidade de reparação civil pelo dano causado. Na hipótese, observa-se que os bens não foram apenas alvo de arresto, mas também de sequestro relativamente àqueles em tese obtidos ilicitamente, razão pela qual não há que se falar em ordem de preferência, máxime se levado em consideração que a origem dos bens constritos (se lícitos ou ilícitos) ainda é objeto de controvérsia.[…] (Recurso Especial nº 1.929.671–PR, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. convocado Olindo Menezes, julgado em 13.9.2022, publicado no DJ em 30.9.2022)
[…] 1. O sequestro é medida assecuratória cujo deferimento acarreta a indisponibilidade dos bens móveis ou imóveis adquiridos pelo agente como proveito da infração penal ou produto indireto (fructus sceleris). Em interpretação contrario sensu do art. 132 do CPP, no caso de imóveis, igualmente possível o sequestro do produto direto da infração (producta sceleris), porquanto incabível apreensão (CPP, art. 240, § 1º, b), somente aplicável ao produto direto de bens móveis. A finalidade precípua do sequestro é garantir a reparação do dano causado pelo delito e a perda do produto ou proveito auferido pelo agente com a prática do crime, evitando-se, pois, benefício decorrente da própria torpeza. 2. Como cediço, o sequestro é apurado em processo incidente ao processo criminal principal, com objetos estanques. O investigado ou réu possui legitimidade para impugnar o sequestro, por meio de embargos, nos termos do art. 130, I, do CPP, que constitui instrumento processual defensivo dentro do procedimento incidental, corolário do contraditório. Considerando que os embargos não possuem natureza de recurso, mas de defesa, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a decisão acerca do sequestro de bens admite apelação. Precedentes. 3. O thema decidendum do processo incidente de sequestro é autônomo ao processo penal principal, pois tal decisão em nada influenciará na absolvição ou condenação do réu. Destarte, a decisão de sequestro será definitiva, porquanto encerra a relação processual, julgando-lhe o mérito, nos moldes do art. 593, II, do CPP, portanto, cabível apelação, pois ausente subsunção a uma das hipóteses de recurso em sentido estrito (CPP, art. 581). […] 6. Do fato narrado não se evidencia o direito líquido e certo do recorrente a não ter os bens sequestrados, uma vez que a apreciação do argumento de que o bem objeto da medida cautelar assecuratória foi adquirido com recursos lícitos demandaria dilação probatória, que se revela inviável na via mandamental, cuja prova deve ser pré-constituída. Ademais, a Lei 12.694/2012 alargou o espectro de incidência das medidas cautelares assecuratórias, ao inserir os §§ 1º e 2º do art. 91 do CP. Desse modo, o sequestro pode abranger, igualmente, bens ou valores de origem lícita, equivalentes ao produto ou proveito da infração, se estes não forem encontrados ou se localizarem no exterior. o que praticamente inviabiliza a utilização da via do mandado de segurança. […] (RMS n. 49.540 – RS, STJ, 5ª Turma, unânime, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 12.9.2017, publicado no DJ em 22.9.2017).
[…] “O art. 4º, caput, da Lei nº 9.613/1998, na redação da Lei nº 12.683/2012 – aplicável desde logo, nos termos do art. 2º do Código de Processo Penal (RHC 115563, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 28.3.2014) – dispõe que “o juiz […], havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos, ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes”. O § 4º do referido dispositivo permite, também, a decretação de medidas assecuratórias “sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas”. O sequestro, previsto no Código de Processo Penal, tem como objeto os produtos diretos ou indiretos do crime, sejam eles bens imóveis ou bens móveis não suscetíveis de apreensão, bastando que haja indícios, desde que veementes, da proveniência ilícita dos bens. […] (Agravos Regimentais na Ação Cautelar n. 3.957-DF, STF, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 21.6.2016, publicado no DJ em 24.11.2016).
Por fim, não se pode deixar de referir que ainda vigora no ordenamento jurídico o Decreto-Lei nº 3.240/41, que prevê a possibilidade de decretação de “sequestro” (colocamos aspas propositadamente), sendo requisito legal que “haja indícios veementes da responsabilidade, os quais serão comunicados ao juiz em segredo, por escrito ou por declarações orais reduzidas a termo, e com indicação dos bens que devam ser objeto da medida” (art. 3º), com a observação de que “o sequestro pode recair sobre todos os bens do indiciado, e compreender os bens em poder de terceiros desde que estes os tenham adquirido dolosamente, ou com culpa grave” (art. 4º).
Destacamos com aspas a locução “sequestro”, pois, durante certo tempo, especialmente quando da edição do Código de Processo Penal, foi usada como sinônimo de “arrestos”, como se verifica da então redação do art. 137 do CPP, que, ao tratar do arresto, dizia ser possível haver o “sequestro de bens móveis suscetíveis de penhora”. Não havia sentido se falar em sequestro de bens suscetíveis de penhora. Aí que, com muita demora, a Lei nº 11.435/2006 corrigiu o problema, prevendoe que “se o responsável não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente, poderão ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis”.
Sempre alertamos (vide Comentários ao CPP e sua jurisprudência, 2023, 15 ed, item 125.2) que, para essa medida, “exigem-se apenas os indícios da prática de crimes contra a Fazenda, permitindo-se a apreensão (por sequestro) de tantos bens quantos sejam suficientes para reparar o dano. Não se exige que a coisa tenha sido adquirida com proventos do crime, como ocorre no CPP. Na realidade, como se vê, a medida, do ponto de vista técnico, equipara-se ao arresto e não ao sequestro, já que se dirige à coisa não litigiosa, e somente nessa perspectiva se justifica, sem as cautelas daquele (sequestro)”.
Entretanto, encontramos na jurisprudência (com o que guardamos reservas) a possibilidade de incidência da medida nele prevista sobre bens lícitos e ilícitos:
[…] A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que o Decreto-Lei n. 3.240/41 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1.988, continua sendo aplicável e não foi revogado pelo Código de Processo Penal. Precedentes: AgRg nos EDcl no REsp 1.883.430/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 16/11/2020; AgRg no RMS 24.083/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOUR.A, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 16/08/2010. […] “A medida de sequestro deferida nos autos, a teor do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 3.240/41, pode recair sobre quaisquer bens dos requerentes e não apenas sobre aqueles que sejam produtos ou proveito do crime, mostrando-se, assim, desnecessária qualquer discussão sobre o fato de os bens estarem ou não alienados e de terem sido adquiridos antes da prática delitiva” (RMS 29.854/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 26/10/2015). Na mesma linha, o AgRg no REsp 1.391.539/RS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/08/2021, DJe 31/08/2021. […] A Quinta Turma desta Corte também já se manifestou no sentido de que “A incidência do Decreto-Lei 3.240/41 afasta a prévia comprovação do periculum in mora para a imposição do sequestro, bastando indícios da prática criminosa, a teor do que dispõe o art. 3º desse diploma normativo. Precedentes”. (AgRg no REsp 1.844.874/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 15/09/2020). […] (Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança nº 67.164-MG, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, unânime, julgado em 29.3.2022, publicado no DJ em 31.3.2022)
Feitas todas essas considerações e interpretando-se de forma sistemática e interligada as regras que tratam do tema, concluímos que, no âmbito criminal, a reserva de até 20% dos bens objeto de constrição judicial não poderá incidir, em nenhuma hipótese, sobre bens que sejam sequestrados criminalmente (origem ilícita) ou quando a medida for por equiparação (art. 91-A, CP – que tem preferência).
Até porque não teria sentido lógico e constitucional admitir reserva de valores para pagamento de honorários com dinheiro de origem sabidamente ilícita, caso em que se poderia se caracterizar, por interpretação restritiva (leitura isolada do art. 24-A do Estatuto da OAB), uma espécie de lavagem do dinheiro ilicitamente obtido. E essa conclusão é reforçada exatamente pelo teor das exceções previstas pelo legislador ao não admitir a reserva quando se tratar de valores decorrentes da incidência da Lei de Drogas, bem assim em face do disposto no parágrafo único do art. 243 da Constituição, que trata não só da questão das drogas, mas também nas hipóteses de valores auferidos a partir da exploração do trabalho escravo, quando deverá haver o confisco de tais valores.
Quando se tratar de hipótese de arrestos na seara penal (bens lícitos), aí a opção legislativa em voga (com as expressas ressalvas nela contidas) deve ser aplicada.
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