STF E O NOVO ENTENDIMENTO SOBRE PRORROGAÇÃO DE COMPETÊNCIA para julgar parlamentares

Desde 2018 o STF tinha novo (e importantíssimo, para nós) entendimento de sua competência para julgamento de parlamentares, pois buscava maximizar o Princípio da Isonomia.

No julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal nº 937, o STF fixou duas teses:

“(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo E relacionados às funções desempenhadas;

E

(ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”, com o entendimento de que esta nova linha interpretativa deve se aplicar imediatamente aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior, conforme precedente firmado na Questão de Ordem no Inquérito 687 (Rel. Min. Sydney Sanches, j. 25.08.1999)…”

Portanto, para a configuração da competência por prerrogativa de função a ensejar competência do STF, a primeira tese relativaà (então) interpretação das disposições constitucionais exigia a implementação de duas condições essenciais:

a) o crime fosse praticado durante o exercício do cargo (o STF entende que se houver reeleição – sem intervalo – para o mesmo mandato ou houver sucessão de mandatos cruzados – por exemplo, de deputado federal para senador-, em que não há interrupção do “mesmo foro”, há a perpetuação da competência). ;

b) o crime tivesse relação com o exercício das funções do cargo.

Salvo melhor juízo, fomos nós quem, em doutrina, levantamos pela primeira vez essa discussão no Brasil, embora não acolhida em tão largo espectro pelo STF (síntese aqui, com referência a texto publicado em 2013, muito antes do entendimento do STF na AP 937: https://temasjuridicospdf.com/prerrogativa-de-foro-e-competencia-penal-originaria-doutrina-e-jurisprudencia/)

A segunda tese trata de hipótese de prorrogação da competência, em razão do estágio processual (ter sido publicado o despacho de intimação para oferecimento das alegações finais).

Noutras palavras, uma denúncia que eventualmente atribua suposto crime cometido antes do início do mandato parlamentar NÃO é de competência do STF, conforme a orientação da própria Suprema Corte.

Ocorre que, em 2025, sobreveio novo entendimento.

A decisão foi por maioria de votos, tomada em 11.3.2025, no HC nº 232.627.

Consoante voto do Ministro Gilmar Mendes, voto-prevalente, a competência do STF passaria a ser conforme a seguinte tese:

“[a] prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.

Em complemento no seu voto, o Ministro Barroso afirmou que a relatoria entendera que “o foro por prerrogativa de função, reconhecido unicamente em razão do cometimento de crime durante o exercício do cargo e com relação às funções desempenhadas, deve ser mantido independentemente de o acusado continuar ou não exercendo o cargo”.

Até a presente data não houve a publicação do acórdão (atenção: verificar ulteriormente, pois o tema é importantíssimo).

Mas pensamos ser relevante acrescer o que disse o Ministro Barroso em seu voto:

“Como se percebe, portanto, está em deliberação NÃO revisão do posicionamento adotado pela Corte no julgamento da AP 937-QO, mas sim da decisão proferida no julgamento do Inq 687-QO. Nesse ponto, considerando as finalidades constitucionais da prerrogativa de foro e a necessidade de solucionar o problema das oscilações de competência, que continua produzindo os efeitos indesejados de morosidade e disfuncionalidade do sistema de justiça criminal, entendo adequado definir a estabilização do foro por prerrogativa de função, mesmo após a cessação das funções. Em conclusão, mantida a premissa de que o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas, acompanho o Relator na concessão da ordem e na tese proposta”.

Na verdade, foi alterada a conclusão da segunda parte da decisão na AP 937, mas mantida a primeira parte.

Noutras palavras, foi mantido o entendimento da Questão de Ordem na AP 937 quanto às exigências de que o crime tenha sido praticado durante o cargo E que tenha relação com o exercício das funções. Nesses caso haverá a “prorrogação de competência” do STF (e demais tribunais, por arrastamento) para o julgamento dos processos, mesmo após o afastamento do cargo de quem detenha prerrogativa de foro, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.

Segundo o STF, essa nova interpretação deve aplicar-se imediatamente aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior, conforme precedentes firmados no QO no INQ 687 e na QO na AP 937.

Compreendido isso, não podemos nos furtar de, mesmo que sinteticamente, criticarmos tal posição.

Primeiro porque o STF já havia declarado a inconstitucionalidade do § 1º do art. 84 do CPP exatamente por argumentos contrários ao que agora agregados para aceitar a “perpetuatio jurisdictionis”, tal qual previsto na (revogada) Súmula 394 do STF.

Segundo porque um dos argumentos centrais seria para evitar o “sobe-e-desce” de competências no processo penal.

Respeitosamente, um equívoco, com cujo argumento não concordamos.

Veja-se que, com a prevalência do que decidido na AP 937, crimes cometidos “antes” dos mandatos ou ações penais já iniciadas não seriam deslocadas para o STF (ou tribunais, pelo raciocínio comparativo). Ou seja, o processo “não subiria” para o tribunal com fato novo de o suposto autor ter tomado posse num cargo que lhe garanta a prerrogativa de foro.

Se iniciado o processo no âmbito do STF, a perda do mandato implicaria apenas a “baixa” dos autos para fins de continuidade da investigação ou processo no foro que seria o competente, de acordo com a competência fixada pela matéria. O mesmo ocorreria com o inquérito.

Esse processo “baixado” jamais poderia retornar ao STF, porque é o que se decidira na AP 937.

Ou seja, não se sustenta o argumento do “sobe-e-desce”, haveria apenas uma hipótese de “descer” e, uma vez isso ocorrido, lá permaneceriam os autos.

Atente-se que o STF há muito tem o entendimento de que, se alterada a competência em razão da matéria, deve haver o deslocamento processual. Mas aqui, quando a alteração é pela “prerrogativa de foro” entendeu prorrogar a competência. Só aqui um contrassenso.

Além disso, na prática, o STF acabou ampliando sua competência e contrariando seus próprios argumentos quando decidido o tema em sede de ADI muitos anos atrás. Tal compreensão implicará, na verdade, em “novo sobe”, pois haverá o “retorno” de autos aos tribunais que tinham baixado para primeiro grau (mesmo que reconhecidos como válidos os atos até agora praticados em primeiro grau).

Ou seja, na prática, o que o STF contrariou sua principal premissa, evitar o arguido “sobe-e-desce” processual.

A nós não convence, respeitosamente.

E salvo melhor juízo sempre.

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