PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA DA PENA DE MULTA CRIMINAL

Já anunciamos aqui (https://temasjuridicospdf.com/execucao-da-pena-de-multa-competencia-exclusiva-do-ministerio-publico-apos-a-lei-no-13-964-2019/) que está sendo discutido em sede de repercussão geral a quem compete a execução da pena de multa decorrente de condenação criminal sobretudo após a Lei nº 13.964/2019 (Repercussão Geral no RE nº 1.377.843-PR).

Rememoremos algumas questões essenciais ao tema (para não precisar retroagir na leitura supramencionada) para compreender o tema que será ora exposto.

Com efeito, antes da edição da Lei nº 13.964/2019, o STF firmou expressa compreensão que a multa criminal tem natureza penal (como sempre teve em nossa compreensão), mas a execução competiria prioritariamente ao Ministério Público, cabendo a legitimidade subsidiária para a Fazenda Pública por se tratar de “dívida de valor”.

O tema foi decidido na ADI nº 3.150:

[…] Execução penal. […] Pena de multa. Legitimidade prioritária do Ministério Público. Necessidade de interpretação conforme. […] 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme a Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980. (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150/DF, STF, Plenário, Rel. Min. Marco Aurélio, Redator do Acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 13.12.2018, publicado no DJ em 4.6.2020)

A redação do dispositivo analisado pelo STF na retromencionada ADI tinha o seguinte conteúdo:

“Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

Ocorre que, posteriormente, com o advento da Lei nº 13.964/2019, houve alteração substancial do referido art. 51 do Código Penal:

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

Passamos a defender que, com essa novel regra, houve alteração profunda na questão a partir da vigência da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que é posterior à decisão do STF na ADI 3.150. É que, como agora a legislação diz que a execução deverá ser, necessariamente, perante a Vara de Execuções Penais, não há mais espaço para uma legitimidade subsidiária: a competência é exclusiva do Ministério Público.

Enfatizamos que, antes, não havia essa previsão de execução perante o Juiz da Execução Penal, daí a interpretação “conforme“ do STF para estabelecer uma legitimidade prioritária (MP) perante o juízo criminal e uma legitimidade “subsidiária“ perante a Vara de Execução Fiscal. Portanto, segundo entendemos, desde 23.1.2020, o precedente do STF na ADI nº 3.150 perdeu sua aplicabilidade na parte em que reconhece a atribuição subsidiária da Fazenda Pública cobrar o valor da multa perante o Juízo de Execuções Fiscais. Noutras palavras, essa última possibilidade não existe mais: dado seu caráter penal e a obrigatoriedade de execução perante o Juízo Criminal, o único legitimado para tanto será o Ministério Público.

É que dessa premissa deflui outra questão relevante: como se conta o prazo da prescrição para a execução da pena de multa.

Se se disser que existe a possibilidade de “cobrança” (subsidiária) pela Fazenda Pública, deveriam incidir as normas típicas tributárias, de modo que seria regulada, smj, pelo art. 174 do Código Tributário Nacional: “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva”. A constituição “definitiva” seria o trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo despicienda qualquer providência de “constituição” do crédito.

A referência é apenas um reforço de argumentação a respeito do que pensamos. É que não há como incidir mais essa regulamentação (e o próprio STF também não disse no julgado paradigmático como se resolveria isso subsidiariamente). Para nós, esse “problema” está superado com a superveniência da Lei nº 13.964/2019.

Sendo a multa de natureza eminentemente penal, devemos buscar a regulamentação própria da prescrição “penal”.

Conforme o Código Penal brasileiro (art. 114), são duas as hipóteses:

a) quando a pena de multa for a única cominada ou aplicada, o prazo é de 2 anos;

b) no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada (aí serão utilizados os prazos do art. 109 do CP).

E esses prazos contam de qual marco ?

Bem, aí há outra discussão que também já tratamos aqui (https://temasjuridicospdf.com/a-prescricao-executoria-da-pena-que-nao-pode-ser-executada-paradoxo-interpretativo/) e aqui (https://temasjuridicospdf.com/prescricao-da-pretensao-executoria-julgado-que-merece-uma-analise-e-atencao/).

Não temos dúvidas em reafirmar que o prazo deverá contar do trânsito em julgado para ambas as partes. Não só porque o Plenário do STF assim já assentou (vide abaixo), mas porque há uma “novidade” importante em relação ao que já noticiado no texto acima mencionado. É que, agora, pelo menos a 6ª Turma do STJ – em reiteradas decisões – passou também a entender que não há como se contar o prazo da prescrição da pretensão executória sem o trânsito em julgado para ambas as partes, inclusive se reportando aos próprios julgados do STF:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA AMBAS AS PARTES. ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELO STF.

1. Sobre o termo inicial da prescrição da pretensão executória – trânsito em julgado para a acusação (art. 112, I – CP) ou para ambas as partes –, tem oscilado a jurisprudência, registrando-se precedentes do STJ adotando a tese do trânsito em julgado para a acusação, como no AgRg no HC n. 717.946/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022, onde se positivou que “[o] termo inicial do prazo da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em julgado para a acusação (art. 112, I, do Código Penal).”

2. Ainda que haja, no STF, reconhecimento de repercussão geral no STF – ARE 848.107/DF (Tema nº 788) –, pendente de julgamento, “[o] Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AI 794971-AgR/RJ (Rel. para acórdão Ministro MARCO AURÉLIO, DJe 25/06/2021), definiu que o dies a quo para a contagem da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes. Assim, por já ter havido manifestação do Plenário da Suprema Corte sobre a controvérsia e em razão desse entendimento estar sendo adotado pelos Ministros de ambas as turmas do STF, essa orientação deve passar a ser aplicada nos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que não há mais divergência interna naquela Corte sobre o assunto” (AgRg no RHC n. 163.758/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022).

3. No caso, mesmo que seja aplicado o respectivo posicionamento, diante do afirmado pelo Tribunal local – “a data a ser considerada, é a do trânsito em julgado para ambas as partes, qual seja, dia 14MAI2019, de modo que ainda não restaram implementados os prazos prescricionais, os quais somente serão atingidos em 13MAI2022 e 15JUL2022, considerando-se as penas impostas” –, o presente agravo encontra-se sem objeto, uma vez que, na presente data, encontra-se prescrita a pretensão executória, pois atingido o prazo prescricional, mesmo considerando-se o trânsito em julgado para ambas as partes.

4.Agravo regimental prejudicado. (Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 718.380–RS, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Convocado Olindo Menezes, unânime, julgado em 11.10.2022, publicado no DJ em 17.10.2022)

DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRARDINÁRIO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. MARCO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA AMBAS AS PARTES. REPERCUSSÃO GERAL. PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

1.O acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina diverge da orientação fixada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do AI 794.971-AgR, Redator para o acórdão o Min. Marco Aurélio. Orientação segundo a qual o termo inicial para a contagem do prazo da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado da condenação para ambas as partes.

2.Embora ainda pendente de análise o ARE 848.107-RG (Tema 788), Rel. Min. Dias Toffoli, não há como negar a existência de “diversas decisões do Supremo Tribunal Federal nas quais solucionada controvérsia idêntica, não sendo plausível submeter este processo ao procedimento de repercussão geral, com a baixa dos autos ao Tribunal de origem, em atenção ao princípio da razoável duração dos processos, previsto no inc. LXXVIII do art. 5º da Constituição da República” (RE 1.309.385, Relª. Minª. Cármen Lúcia). Precedentes: ARE 1.054.714-AgR-segundo-ED, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 1.356.119-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 1.383.480, Rel. Min. Edson Fachin; e RE 1.301.223-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, entre outros.

3.Agravo a que se nega provimento. (Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 1.393.318, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, sessão virtual de 14.10.2022 a 21.10.2022, publicado no DJ em 27.10.2022)

Desse modo, concluímos, ainda que com a brevidade proposital do presente texto, que:

a) o prazo da prescrição executória da pena de multa, quando for a única cominada ou aplicada, é de 2 anos (art. 114, I, CP);

b) o prazo da prescrição executória da pena de multa é o mesmo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada (art. 114, II c/c art. 109, ambos do CP);

c) o prazo da prescrição da pretensão executória, que se dará necessariamente perante o Juízo Criminal, começará a fluir a partir do trânsito em julgado para ambas as partes.

Salvo melhor juízo. Bons estudos.

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