Sobre como são criados os “gremlins jurídicos”
Calma, não estranhe o título.
É “provocativo” mesmo. Ele tem um propósito claro.
Mas vamos lá, rapidamente, numa distinção inicial.
Crimes materiais são aqueles que, para existirem, deve haver necessariamente o resultado.
Crimes formais podem ter resultado, mas o resultado não é essencial para suas existências.
Crimes de mera conduta não têm resultado.
Parece não haver maiores dúvidas quanto a essas premissas iniciais e rápidas.
Pois bem.
Publicamos recentemente texto demonstrando os equívocos da Súmula Vinculante nº 24 do STF (clique aqui:
Poucos para(ra)m para “pensar” o “gremlin jurídico” (expressão nossa) que foi criado pelo STF no referido comando sumulado.
Em parêntesis também: “gremlins” são aqueles “monstros” de conhecido filme. Na origem, eram os (dóceis) “mogwais”, simpáticos bichinhos que precisavam ser tratados observando-se três regras fundamentais:
a) nunca dar comida depois da meia-noite (os “mogwais” se transformariam em “gremlins”);
b) nunca deixe-os entrar em contato com a água (eles se reproduzem em “progressão geométrica” em contato com a água);
c) mantenha-os longe da luz forte (nesse caso, eles começam a “gritar” e tudo fica um “inferno”).
Pois bem, com a SV nº 24 foi assim mesmo: do “pretenso Mogwai” para solucionar os problemas de crimes tributários materiais (que inexistiam) houve suas transformações em “gremlins”: alimenta(ra)m-nos com teses insubsistentes, jogaram-nos em verdadeiro alto-mar (água em abundância) e a luz é ofuscante como em horário de meio-dia.
Os resultados são catastróficos.
Então vamos lá, numa comparação aqui rapidamente (aí se você quiser, leia o “outro texto”, principal, que é o objetivo da presente “provocação”).
Parece não haver dúvidas de que o delito de furto (art. 155, CP) é material (depende do resultado para sua existência, consumado ou tentado).
No denominado “furto qualificado”, dispõe-se no art. 155, § 4º, CP que subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem, a pena é de reclusão de 2 a 8 anos se o crime é cometido:
I – com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III – com emprego de chave falsa;
IV – mediante concurso de duas ou mais pessoas.
As condutas previstas nos incisos são os “meios” para a prática do furto, que é punido no § 4º a título de “forma qualificada” (tipo penal autônomo).
Imagine-se a “criação” de uma súmula dizendo que o furto cometido nas formas (condutas-meio) dos incisos I a III sejam materiais (portanto precisam resultado), mas o do inciso IV seja formal (logo não precisa resultado).
Teríamos três hipóteses de delitos de furto qualificado (previsto no § 4º do art. 155 do CP) “materiais” e uma hipótese de furto qualificado “formal”.
É um absurdo técnico a afirmação acima em relação ao furto, não ?
Pois foi exatamente isso que se fez e faz diuturnamente em relação ao crime de sonegação fiscal material: ao ser excluído o inciso V do art. 1º da SV nº 24, diz-se (e repete-se, repete-se, repete-se – sem pensar um segundo sequer racional e juridicamente) que o delito do inciso cometido na forma do V é formal e os demais são materiais.
Se você quiser entender um pouco mais desse “problema” criado, sugiro dialeticamente a leitura do texto antes indicado (e debate, aí sem as ironias aqui postas, dolosamente feitas para “chamar a atenção”).
Abraços, bons estudos. Ah: e cuidado para não “criar” outros “gremlins jurídicos”.