Prisões cautelares em caso de apreensão de drogas: como explicar o tratamento díspar?

A imprensa noticiou que foi concedida liberdade por intermédio de decisão monocrática no STJ a um traficante preso em flagrante com 832 quilogramas de cocaína (HC nº 957157–SP).

Não temos dúvidas em assentar – com base também em inúmeras decisões jurisprudenciais – que a gravidade concreta do caso mencionado parece ser indiscutível (com venias de quem pensa em sentido contrário). E pelos valores envolvidos, até prova em sentido contrário, inviável se imaginar que fosse entregue uma “carga tão valiosa” para transporte a alguém que não fosse pelo menos de “confiança” e integrante de um esquema criminoso bem organizado (o preço médio do Kg da cocaína na Europa é de, aproximadamente, 35.000 euros – a carga apreendida equivale a aproximadamente R$180.000.000,00 – cento e oitenta milhões de reais) Não se trata de uma presunção, mas de compreender os fatos como são na realidade das coisas. Além disso, o agente responsável pelo transporte sabia – e muito bem – que transportava as drogas, tanto que tentou se evadir do local quando da abordagem.

De qualquer modo, deixamos claro que esse rápido texto é exclusivamente um comparativo de fundamentações. Nada além.

Realmente não conseguimos entender o tratamento díspar conferido a situações que deveriam ter o mesmo tratamento. Pior que isso, em casos mais “leves” (para não dizer “tão graves”) de tráfico de drogas não foi concedida a liberdade, diante da “gravidade concreta”. No caso mais grave, a referência a 832 quilogramas de cocaína (aproximadamente 1 tonelada), a liberdade foi concedida.

Comparemos os fundamentos de quatro decisões:

CASO 1 HC Nº 957157 – SP, de 30.10.2024 (NOTICIADO)
CASO 2 AgRg no RCD no HC Nº 936159, de 7.10.2024CASO 3 AgRg no HC Nº 935938 – SP, de 7.10.2024CASO 4 AgRg no RHC Nº 192917 – BA, de 18.10.2024
Fundamentos:
[…]Embora a gravidade concreta da conduta seja inegável e não esteja em debate, é imperativo que se ponderem, neste momento, os efeitos colaterais da manutenção do paciente em regime de prisão preventiva. Ressalte-se que, a princípio, o réu não integra organização criminosa e não apresenta um histórico de práticas delitivas reiteradas. Assim, a decisão deve ser balizada pela análise das particularidades do caso, buscando-se a proporcionalidade e a adequação da medida cautelar à situação específica do custodiado, em consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal.

Fundamentos:
[…] Alega o agravante possuir condições pessoais favoráveis. Aduz a ausência de fundamentação idônea no decreto prisional, que teria sido baseado apenas na gravidade abstrata do delito. Requer, assim, a reconsideração da decisão agravada, a fim de que seja revogada a custódia cautelar, com a aplicação de medidas cautelares alternativas. […] em foco e a inoperância de medidas alternativas na conjuntura destacada. Como se vê, a prisão preventiva está corretamente justificada na necessidade de garantia da ordem pública, tendo em vista a gravidade concreta da conduta delitiva, evidenciada pela elevada quantidade apreendida de entorpecente, totalizando 147,48 kg de cocaína, divididos em 150 tijolos. Com efeito, a considerável quantidade do material entorpecente apreendido justifica o decreto prisional, tendo em vista a garantia da ordem pública. […] Assim, nos termos da jurisprudência desta Corte, eventuais condições pessoais favoráveis não possuem o condão de, isoladamente, conduzir à revogação da prisão preventiva, sendo certo que, concretamente demonstrada pelas instâncias ordinárias sua necessidade, não se afigura suficiente a fixação de medidas cautelares alternativas. Ante o exposto, com base no art. 210 do RISTJ, indefiro liminarmente a petição inicial. […] Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
Fundamentos:
[…] Neste recurso, pleiteia-se a reconsideração da decisão agravada, fundamentando-se na desproporcionalidade da manutenção da prisão preventiva. Argumenta-se que a quantidade de droga apreendida é insuficiente para justificar a aplicação da medida cautelar mais severa. […] Conforme já destacado na decisão ora impugnada, a manutenção da prisão preventiva está devidamente justificada pela necessidade de garantir a ordem pública. Essa necessidade se fundamenta nas circunstâncias do flagrante, bem como na expressiva quantidade e variedade de drogas apreendidas, que revelam a gravidade concreta da conduta. Foram apreendidas cento e nove porções de maconha, pesando 315 g; sessenta e cinco porções de cocaína na forma de crack, pesando 35 g; e três comprimidos de ecstasy, pesando 3 g. Além disso, no imóvel alugado pelo réu para armazenamento dos entorpecentes, foram encontradas quinhentas e vinte e oito porções de cocaína, pesando 650 g; cento e cinquenta porções de cocaína na forma de crack, pesando 25 g; quatrocentas e quarenta e oito porções de maconha, pesando 615 g; e quarenta e oito comprimidos de ecstasy, pesando 10 g (fl. 98). Tais elementos evidenciam a periculosidade do réu e a imprescindibilidade da custódia cautelar para a proteção da ordem pública. A corroborar: AgRg no RHC n. 193.464/SC, Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 22/8/2024; AgRg no RHC n. 197.292/MG, Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, DJe 2/8/2024. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
Fundamentos:
[…] No mérito, todavia, não deve ser provido. Conforme já destacado na decisão ora impugnada, a manutenção da prisão preventiva está devidamente justificada pela necessidade de garantir a ordem pública. Essa necessidade se fundamenta nas circunstâncias do flagrante, bem como na expressiva quantidade e variedade de drogas apreendidas, que revelam a gravidade concreta da conduta. Foram apreendidos: 450 pedras de crack, 130 buchas de maconha, pesando aproximadamente 161 g, 5 papelotes de cocaína, pesando aproximadamente 101 g, e mais uma barra grande de maconha, de aproximadamente 1,015 g (fls. 135/136), além de duas balanças de precisão. Tais elementos evidenciam a periculosidade do réu e a imprescindibilidade da custódia cautelar para a proteção da ordem pública. A corroborar: AgRg no RHC n. 193.464/SC, Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 22/8/2024; e AgRg no RHC n. 197.292/MG, Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, DJe 2/8/2024. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

Sim, colocamos apenas “alguns excertos” das decisões, apenas para facilitar a leitura no breve espaço de tempo. Compreendemos que esse meio não desvirtua em nada a realidade de cada caso, expressando a síntese dos fundamentos em cada situação. De qualquer modo, recomendamos a análise da íntegra dos julgados (apenas o primeiro é decisão liminar).

O que não conseguimos compreender é que todas as decisões retromencionadas, num curto espaço de tempo (todas de outubro de 2024), foram proferidas pelo mesmo julgador.

Repetimos: estamos exclusivamente discordando da fundamentação e do tratamento díspar.

Estamos quase convictos que é muito provável que ocorra juízo de retratação da decisão liminar, até para manutenção de uma coerência argumentativa. Ou então a decisão colegiada será por maioria, cassando a ordem deferida liminarmente.

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