ANPP DEPOIS DO TRÂNSITO EM JULGADO ? CUIDADO !

No decorrer dessa semana, inúmeros questionamentos acerca de uma decisão do STF que teria decidido caber ANPP mesmo “depois” do trânsito em julgado (HC n. 217.275-SP).

Não foi bem isso … A leitura de ementas de forma afobada, a “fluidez das redes sociais” e o que já denominei de “hermentismo” (hermenêutica das ementas) gera “jurisprudência fake” …

Antes vamos dizer que, em nossa compreensão, não cabe o ANPP depois do recebimento da denúncia, não se devendo falar em “retroatividade” (aqui: https://temasjuridicospdf.com/nao-cabe-anpp-a-acoes-penais-instauradas-antes-da-lei-n-13-964-2019/. Nesse texto, tentamos demonstrar que o STF há muito já enfrentou esse tema, quando entrou em vigor a Lei n. 9.099/95. Nos julgados da 2ª Turma, não vemos nenhum “distinguish” de fundamentação para afastar o que o Plenário do STF já assentou sobre retroatividade (ou não) de normas “híbridas” (o que tentamos demonstrar no texto acima referido).

De qualquer forma, outro alerta é importante: o entendimento sobre a “retroatividade” é da 2ª Turma do STF (do que discordamos, mas temos que ser honestos em afirmar que essa é a posição). Entretanto, tanto a 1ª Turma como a própria Mininstra-presidente do STF têm entendimento em sentido OPOSTO. É dizer: hoje, o entendimento majoritário do STF é no sentido da irretroatividade, na mesma linha de entendimento do STJ.

O que chama a atenção é que, no final do ano de 2022, o PLENÁRIO do STF, à unanimidade, entendeu que NÃO haveria retroatividade.

Tratava-se de um agravo contra decisão da Ministra Presidente. Talvez os eminentes ministros da 2ª Turma não tenham se atentado a isso e contrariaram seus próprios “precedentes”.

O julgado é esse aqui (leiam o acórdão na íntegra):

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO. ART. 15 DA LEI Nº 10.826/2003. MATERIALIDADE E AUTORIA CONSIGNADAS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. COMPREENSÃO DIVERSA. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NÃO VIABILIZA O RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 5º, LV, E 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. APELO EXTREMO INADMITIDO COM FUNDAMENTO NOS TEMAS Nº 339 E 660. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO DIRIGIDO A ESTA SUPREMA CORTE CONTRA DECISÃO DA ORIGEM QUE APLICA A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. SOBERANIA DESTA SUPREMA CORTE PARA EXERCER O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. LEGALIDADE. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. RAZÕES DE DECIDIR EXPLICITADAS PELO ÓRGÃO JURISDICIONAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE NO SENTIDO DA RETROATIVIDADE DA LEI Nº 13.964/2019 NO QUE DIZ RESPEITO À POSSIBILIDADE DE INICIAR TRATATIVAS SOBRE O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL, DESDE QUE NÃO RECEBIDA A DENÚNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO.

[…] 3. Pacífica a jurisprudência desta Suprema Corte no sentido de que incabível agravo para o Supremo Tribunal Federal contra a aplicação da sistemática da repercussão geral (arts. 1.036 a 1.040 do CPC) pelo Tribunal de origem. Exaustivamente examinados os argumentos veiculados no agravo interno, ratifica-se a adequação da sistemática aplicada à espécie (art. 328 do RISTF).

4. Na esteira da jurisprudência desta Suprema Corte, o juízo de admissibilidade a quo não vincula nem torna precluso o reexame da matéria pelo juízo ad quem. Soberania desta suprema corte para exercer o juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários.

5. Pleito de análise de eventual viabilidade de acordo de não persecução penal. A orientação deste STF é no sentido de que o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, DESDE QUE NÃO RECEBIDA A DENÚNCIA . Precedentes.

6. As razões do agravo interno não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada.

7. Agravo interno conhecido e não provido.(Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.397.410, STF, Plenário, Rel. Min. Rosa Weber, UNÂNIME, sessão virtual de 21.10.2022 a 28.10.2022, publicado no DJ em 23.11.2022)

Mas vamos AO CASO CONCRETO, em que se divulgou que o STF teria entendido pela aplicabilidade do ANPP mesmo após o trânsito em julgado.

Foi.

Mas tem uma PARTICULARIDADE IMPORTANTÍSSIMA.

Basta ler o voto-condutor para ver isso.

Disse o Ministro Edson Fachin de forma explícita:

[…] No presente caso, apesar de já terem sido proferidos a sentença e o acórdão condenatórios, e mesmo a despeito de haver um título judicial transitado em julgado, o feito ainda estava em curso quando a Lei 13.964/2019 entrou em vigor. Desse modo, imperativo é o reconhecimento do efeito retroativo do art. 28-A do CPP”.

O STF fez essa distinção (discordamos da premissa, vamos reiterar), mas aí existe uma grande diferença.

Noutras palavras, antes do trânsito em julgado “deveria” ter sido ofertado o ANPP.

Não foi.

Eis a razão pela qual o STF desfez o trânsito em julgado para eventual ANPP (um contrassenso total para nós, mas isso precisa ser explicitado).

Mais que isso: não foi a primeira vez que a 2ª Turma tomou decisão para desfazer trânsito em julgado. Há outro feito. Esse aqui:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E REVISÃO MINISTERIAL. ART. 28-A, § 14, DO CPP. PEDIDO INCIDENTAL FORMULADO PELA DEFESA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. RECUSA PELO MP NA ORIGEM. REVISÃO PELA CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO DO MPF E DEVOLUÇÃO PARA OFERECIMENTO DO ACORDO. NOVA NEGATIVA NO PRIMEIRO GRAU EM RAZÃO DO POSTERIOR TRÂNSITO EM JULGADO. ILEGALIDADE MANIFESTA DIANTE DA INEFETIVIDADE DO DIREITO RECONHECIDO PELO ÓRGÃO DE REVISÃO MINISTERIAL. ORDEM CONCEDIDA. (Habeas Corpus nº 199.180-SC, STF, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, unânime, julgado em 22.2.2022, publicado no DJ em 22.4.2022)

Nesse caso, houve recurso da parte à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF entre a negativa do parquet e o trânsito em julgado. Já alertamos isso inclusive em nossos “Comentários ao CPP e sua Jurisprudência” (2023, 15ª edição, Juspodivm).

Havia outra particularidade, que poucos observam …

Criam-se “posts”, que são repetidos e, assim, tem-se uma noção equivocada da realidade do que efetivamente decidido.

Portanto, reiteramos o alerta que sempre fizemos aqui: antes de qualquer coisa, ler o acórdão é fundamental. Salvo melhor juízo sempre.

Íntegra do texto em formato pdf aqui:

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