INTERROGATÓRIO: ATO FEITO PELO JUIZ OU PELO ADVOGADO DE DEFESA ?

Uma das “controvérsias do momento” é a hipótese em que o réu se nega a responder as perguntas formuladas pelo juiz no interrogatório, argumentando que, por força do direito ao silêncio e/ou fundamentado na ampla defesa, responderá apenas os questionamentos que forem feitos por seu advogado.

Estariam corretos mesmos esses procedimentos e, sobretudo, fundamentos?

O art. 185 do CPP dispõe expressamente que “o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.)”.

Ao tratarmos da natureza do interrogatório, acentuamos que “de uma coisa não se duvida mais: o interro­gatório é meio de defesa, com o que não se pode mais exigir o comparecimento do acusado ao referido ato, ao menos para essa específica finalidade.  No entanto, embora essencialmente seja um meio de defesa, ele (interrogatório) pode-se comprovar um efetivo meio ou fonte de prova, como, aliás, qualquer outra modalidade probató­ria reconhecida pelo ordenamento. É dizer: o depoimento prestado pelo acusado, ainda quando destinado – originária e intencionalmente – a favorecer os interesses defensivos, poderá ser con­siderado em desfavor do réu, se ele, não exercendo o direito ao silêncio, apresentar versão contrá­ria aos seus interesses. E não só a confissão pode ser assim entendida; também um depoimento contraditório, desarticulado ou evidentemente mendaz poderá ser levado em consideração pelo juiz, no sentido de infirmar as teses defensivas levantadas pela defesa técnica. Se é verdade que o silêncio não pode ser considerado, pois dele nada se pode extrair – por determinação cons­titucional, inclusive – a eloquência e a loquacidade, sobretudo quando mal utilizada, podem”. E acrescentamos: “Mesmo sob a proteção técnica do advogado, a possibilidade de ser ouvido diretamente pelo responsável pela sua sorte no processo (e nas conse­quências dele) humaniza o ambiente processual, apresentando ao réu a oportunidade de influenciar pessoalmente a decisão final. A autodefesa é exatamente isso: a faculdade ou garantia de participa­ção pessoal do acusado na definição da questão penal, o que, por si só, não pode ser subestimado.  Por isso, a regra deve ser essa: o interrogatório diante do juiz do processo, direta e pessoal­mente. As exceções, sempre presentes e inerentes ao Direito, devem ser suficientemente justifi­cadas. E, sempre, na excepcionalidade da medida”.  (Comentários ao CPP e sua Jurisprudência, 2021, 13ª ed., itens 185.1 e 185.2).

Como já reconhecido pelo Ministro Celso de Mello em histórico julgado no STF, “em sede de persecução penal, o interrogatório judicial – notadamente após o advento da Lei nº 10.792/2003 – qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa. […] Assiste, a cada um dos litisconsortes penais passivos, o direito – fundado em cláusulas constitucionais (CF, art. 5º, incisos LIV e LV) – de formular reperguntas aos demais corréus, que, no entanto, não estão obrigados a respondê-las, em face da prerrogativa contra a autoincriminação, de que também são titulares. O desrespeito a essa franquia individual do réu, resultante da arbitrária recusa em lhe permitir a formulação de reperguntas, qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta, por implicar grave transgressão ao estatuto constitucional do direito de defesa” (Habeas Corpus nº 94.601, STF, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 4.8.2009, publicado no DJ em 11.9.2009).

Não temos dúvidas também de que interrogatório é ato de defesa e que o réu nem é obrigado a comparecer ao ato perante o juiz. Se comparecer, tem o direito também de permanecer em silêncio.

Mas é preciso deixar bem claro: num modelo acusatório, interrogatório é ato do juiz!

Ampla defesa não é o que o réu quer, mas o que a lei e o sistema jurídico põem à disposição dele (e de todos os demais, em igual medida) para o exercício constitucional do contraditório e da (efetiva) ampla defesa.

É preciso bem compreender as coisas, notadamente o nemo tenetur se detegere e direito ao silêncio.

Na mesma linha de posicionamentos externados (Comentários ao CPP, item 186.2), o Nemo tenetur se detegere, que pode ser traduzido como “ninguém é obrigado a se descobrir”, é um aforismo renascido (data do século XVII, no direito inglês) no pós-iluminismo, emblemático de uma era de transformação na teoria do processo e, sobretudo, no âmbito do processo judicial criminal, já no século XIX. O réu, anteriormente tratado como objeto do processo, conquista a posição de parte, sujeito, então, de direitos subjetivos, a partir da compreensão do processo como relação jurídica, com a atribuição de ônus, faculdades, direitos e deveres aos litigantes.

De um lado, o nemo tenetur se detegere cumpriu (e ainda cumpre !) a relevante missão – como verdadeiro princípio – de proteção à pessoa do acusado, afirmando a necessidade de respeito aos atributos inerentes à dignidade humana (integridade física, psíquica, inviolabilidades – intimidade, pri­vacidade etc.). De outro, prestou-se a consolidar os direitos subjetivos dele ao exercício de todas as faculdades processuais permitidas ao órgão acusador.

O direito ao silêncio, portanto, é uma das manifestações mais importantes do aludido prin­cípio (nemo tenetur), na medida em que tutela, não só a consciência moral daquele que, pelo fato de correr o risco de uma condenação, se vê compelido a mentir em seu favor, mas, também, protege o acusado contra juízos de convencimentos lastreados em percepções subjetivas indig­nas de graus aceitáveis de certeza.

No direito norte-americano, no qual se baseou o constituinte de 1988 (não só, evidente­mente!), há, como se sabe, inúmeros julgamentos da competência do Tribunal do Júri, órgão que, como também se sabe, decide sem qualquer motivação (ali, tem lugar a íntima convic­ção). Por isso, uma inquirição bem-feita pelo acusador poderá apresentar aos jurados, não uma versão sobre os fatos em julgamento, mas sobre a pessoa do julgado. Tampouco adianta o controle judicial da inquirição, na medida em que, embora advertidos sobre eventual im­pertinência das perguntas da acusação, os jurados poderiam sempre decidir segundo suas impressões pessoais colhidas na irregular inquirição. É por isso que a Quinta Emenda garante a ele (acusado) o direito de não depor. Não só de guardar silêncio, mas de não se sentar no banco dos réus, o que poderia ser interpretado como recusa imotivada à prestação de escla­recimentos sobre a acusação. Esse detalhe aqui abordado é relevante para demonstrar que não se pode misturar as coisas (e sistemas) para então dizer que o réu não é obrigado a responder às perguntas do juiz, mas apenas de seu advogado.

Tornou-se prática comum no Brasil referir-se ao direito ao silêncio como um suposto princípio da não autoincriminação. Na realidade, as coisas não são “bem assim”.

A garantia do direito ao silêncio, como vimos, reafirma a necessidade de controle racional das decisões judiciais, de modo a impedir que o órgão julgador se valha do silêncio ou da nega­tiva de respostas às perguntas como critério de certeza ou de convencimento judicial.

De outro lado, há, dentre inúmeras garantias e direitos subjetivos do cidadão brasileiro, o direito à intimidade, à privacidade, à incolumidade física e psíquica, à honra, à imagem (art. 5º, X e XII, CF), que não podem ser tangenciados pelo Poder Público, salvo nos limites autorizados no texto constitucional, de que é exemplo, a exigência de autorização judicial para a intercep­tação telefônica, para a expedição de mandado de prisão e para a busca e apreensão domiciliar (art. 5º, XI, XII e LXI, CF).

É no conjunto desse rol de direitos individuais que se resume o nemo tenetur se detegere, ou, se se quiser, a não autoincriminação.

O que não se pode afirmar é que o acusado teria o direito a não participar de qualquer medida probatória – contra si –, bastan­do assim desejar. Não existe esse direito. Nem aqui e nem em lugar nenhum dos ordenamentos jurídicos do mundo ocidental, incluindo os Tratados Internacionais de proteção aos direitos humanos. O que se garante, junto ao direito ao silêncio, é a proteção efetiva do acusado contra ações lesivas aos mencionados direitos individuais (integridade física, psíquica etc.).

Vamos então esclarecer alguns tópicos relevantes com base em importante e recentíssimo julgado do Plenário do STF ao tratar do tema do nemo tenetur se detegere:

“1. O princípio da vedação à autoincriminação, conquanto direito fundamental assegurado na Constituição Federal, pode ser restringido, desde que (a) não seja afetado o núcleo essencial da garantia por meio da exigência de uma postura ativa do agente na assunção da responsabilidade que lhe é imputada; e que (b) a restrição decorra de um exercício de ponderação que viabilize a efetivação de outros direitos também assegurados constitucionalmente, respeitado o cânone da dignidade humana do agente.

2. O direito de não produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere – nada a temer por se deter), do qual se desdobram as variações do direito ao silêncio e da autodefesa negativa, consiste em um dos marcos históricos de superação da tradição inquisitorial de valorar o investigado e/ou o réu como um objeto de provas, do qual deveria ser extraída a “verdade real”.

3. O direito de não produzir prova contra si mesmo, ao relativizar o dogma da verdade real, garante ao investigado os direitos de nada aduzir quanto ao mérito da pretensão acusatória e de não ser compelido a produzir ou contribuir com a formação de prova contrária ao seu interesse, ambos pilares das garantias fundamentais do direito ao silêncio e do direito à não autoincriminação.

4. A garantia explicitada na missiva nemo tenetur se detegere possui raízes no jus commune medieval e se desenvolveu: a) na Europa Continental somente no Século XVIII, com a Revolução Iluminista, a derrocada do Antigo Regime e a superação do procedimento inquisitorial; b) na Inglaterra, a garantia remonta à publicação da Carta Magna em 1215, tendo, ao longo dos séculos seguintes, se desenvolvido e expandido para as colônias, principalmente nos Estados Unidos, traduzida sob a forma do privilege against self compelled incrimination; c) os sistemas anglossaxônicos adversariais atuais admitem que o acusado exerça seu direito ao silêncio, recusando-se a depor; porém, se optar por prestar declarações, o fará na condição de testemunha, tanto que obrigado a prestar juramento de falar a verdade, inclusive com possibilidade de responsabilização por perjúrio. Daí a origem do termo privilege, na medida em que se confere ao acusado a prerrogativa de não ser ouvido como testemunha.

5. No Brasil, a) durante o seu período colonial, dada a natureza inquisitória das Ordenações Portuguesas, não havia espaço para o desenvolvimento da garantia do nemo tenetur se detegere; b) a partir, porém, da Constituição Imperial de 1824, que aboliu expressamente a tortura e as penas cruéis, a evolução foi gradativa; c) com o Código de Processo Criminal de 1832, de inspiração liberal francesa e inglesa, atribuiu-se ao interrogatório a natureza de peça de defesa, com a previsão, ademais, de que a confissão só seria válida se realizada livremente pelo réu; d) destarte, no século XX, no período anterior à Constituição de 1988, ainda eram visíveis os traços inquisitoriais do sistema persecutório brasileiro, considerando que o Código de Processo Penal de 1941, no seu art. 186, embora consagrando expressamente o direito do acusado de não responder às perguntas que lhe fossem formuladas, o fazia ressalvando “que o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa”; e) A vedação à autoincriminação só encontrou ressonância no Brasil em sua devida plenitude com a Constituição Federal de 1988, cujo art. 5º, LXIII, é inspirado pela 5ª Emenda da Constituição Norte-Americana, que assim dispões: “o preso será informado de seus direitos, dentre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.

6. A garantia contra a autoincriminação encontra, ainda, consagração no plano convencional, tanto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos quanto na Convenção Europeia de Direitos Humanos.

7. A CADH, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro no ano de 1992, estabelece limites à busca pela verdade real e tutela o princípio do nemo tenetur se detegere ao prever, no art. 8, n.2, “g”, que toda a pessoa acusada da prática de algum delito possui como garantia mínima, dentre outras, a “de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.” A CEDH, no art. 6º, garante o direito a um processo equitativo (fair trial), havendo precedentes paradigmáticos do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (Funke vs. France; Murray vs. The United Kigdom; Saunders vs. The United Kingdom) definindo a garantia como corolário essencial de um processo equitativo.

8. O Supremo Tribunal Federal, a) no HC 68.929, de relatoria do Min. CELSO DE MELLO, julgado em 22.10.1991, decidiu pelo seu Plenário que, do direito ao silêncio, uma das formas de manifestação do princípio da não autoincriminação, decorre, igualmente, o direito do acusado de negar a prática da infração; b) já no HC 78.708, de relatoria do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 09.03.1999, reafirmou-se a jurisprudência do Tribunal no sentido de que a falta da advertência quanto ao direito ao silêncio torna ilícita a prova resultante do ato de inquirição; c) a evolução jurisprudencial consolidou-se por esta Corte Constitucional no julgamento, em 22.09.2011, da repercussão geral da questão constitucional debatida no RE 640139, de relatoria do Min. Dias Toffoli, oportunidade em que se reafirmou que o princípio constitucional da vedação à autoincriminação não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intuito de ocultar maus antecedentes, o que torna típica, sem qualquer traço de ofensa ao disposto no art. 5º, LXIII, da CF, a conduta prevista no art. 307 do CP; d) o paradigmático julgamento do RE 640139 adotou a premissa de que a garantia contra a autoincriminação não pode ser interpretada de forma absoluta, admitindo, em consideração a sua natureza principiológica de direito fundamental, a possibilidade de relativização justamente para viabilizar um juízo de harmonização que permita a efetivação, em alguma medida, de outros direitos fundamentais que em face daquela eventualmente colidam.

9. A persecução penal, pela sua natureza, admite a relativização de direitos nas hipóteses de justificável tensão (e aparente colisão) entre o dever do Poder Público de promover uma repressão eficaz às condutas puníveis e as esferas de liberdade e/ou intimidade daquele que se encontre na posição de suspeito ou acusado. É o que ocorre com a garantia do nemo tenetur se detegere, que pode ser eventualmente relativizada pelo legislador.

10. A garantia do nemo tenetur se detegere no contexto da teoria geral dos direitos fundamentais implica a valoração do princípio da proporcionalidade e seus desdobramentos como critério balizador do juízo de ponderação, inclusive no que condiz aos postulados da proibição de excesso e de vedação à proteção insuficiente.

11. A garantia do nemo tenetur se detegere se insere no mesmo conjunto de direitos subjetivos e garantias do cidadão brasileiro de que são exemplos os direitos à intimidade, privacidade e honra, o que implica dizer que a relativização da garantia é admissível, embora mediante a observância dos parâmetros constitucionais pertinentes à harmonização de princípios eventualmente colidentes. Diante desse quadro, o direito à não autoincriminação não pode ser interpretado como o direito do suspeito, acusado ou réu a não participar da produção de medidas probatórias (FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 410/411).

12. A garantia contra a não autoincriminação tem como corolário a preservação do direito do investigado ou réu de não ser compelido a, deliberadamente, produzir manifestação oral que verse sobre o mérito da acusação.

13. O direito de o investigado ou réu não realizar condutas ativas que importem na introdução de informações ao processo também comporta diferentes níveis de flexibilização, embora a regra geral seja a da sua vedação. A jurisprudência do STF, historicamente, adotava uma postura restrita quanto à admissibilidade das chamadas intervenções corporais. Contudo, na linha do que se visualiza no cenário internacional, a jurisprudência desta Corte Superior, gradativamente, iniciou uma caminhada em sentido oposto, do que constitui precedente exemplificativo a RCL 2.040/DF, de relatoria do Min. NÉRI DA SILVEIRA, julgada na data de 21/02/2002, ocasião em que se decidiu que a autoridade jurisdicional poderia autorizar a realização de exame de DNA em material colhido de gestante mesmo sem autorização daquela última, tudo com o objetivo de investigar possível crime de estupro de que tenha sido vítima. […]  (Recurso Extraordinário nº 971.959/RS, STF, Plenário, Por Maioria, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 29.7.2020, publicado no DJ em 31.7.2020)

Não se pode olvidar que o “interrogatório é, em verdade, o momento ótimo do acusado, o seu “dia na Corte” (day in Court), a única oportunidade, ao longo de todo o processo, em que ele tem voz ativa e livre para, se assim o desejar, dar sua versão dos fatos, rebater os argumentos, as narrativas e as provas do órgão acusador, apresentar álibis, indicar provas, justificar atitudes, dizer, enfim, tudo o que lhe pareça importante para a sua defesa, além, é claro, de responder às perguntas que quiser responder, de modo livre, desimpedido e voluntário”.(Recurso Especial nº 1.825.622/SP, STJ, 6ª Turma, unânime, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20.10.2020, publicado no DJ em 28.10.2020)

Relembre-se que o STJ já compreendeu que “o indeferimento das perguntas formuladas pelo advogado de defesa, pois anteriormente formuladas pela acusação e não respondidas pelo réu, não viola o disposto no art. 186 do Código de Processo Penal.”  (Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 85.063/SC, STJ, 6ª Turma, unânime, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 13.4.2021, publicado no DJ em 20.4.2021)

Prosseguindo, temos que deixar bem claro que, em nossa compreensão, ampla defesa não pode ser confundida com a possibili­dade de a defesa querer realizar todo e qualquer ato processual do modo como entenda. Ampla defesa não é o que a defesa quer, mas o que pode fazer à luz da concretização de todos os princípios constitucionais no processo penal pelo que previsto na lei. Portanto, não está em jogo apenas a ampla defesa, mas também o devido processo legal (que é devido processo para ambas as partes.

Então vamos pontuar novamente: o que a Constituição garante ao réu, no ato privativo do juiz que é o interrogatório, é não responder as perguntas formuladas (todas ou algumas) daquele que é o condutor da instrução processual.

O ato é do juiz. Vamos insistir: do juiz !

E isso viola algum preceito constitucional ? Claro que não.

Devido processo legal impõe reconhecer que o feito é conduzido por um juiz natural que tem o direito e dever de interrogar o réu, o qual, por sua vez, pode optar por não responder as perguntas formuladas pelo juiz.

Assim, não pode o réu dizer, de antemão, que não responderá as perguntas do juiz, mas exclusivamente as do seu advogado.

Tal procedimento é, desculpem, uma invenção procedimental sem base legal e sistemática alguma.

Não existe garantia – legal ou principiológica – de o réu transmudar o seu advogado em realizador do interrogatório, quando a lei (integralmente compatível a um modelo acusatório) confere a prerrogativa ao juiz.

Evidente que, como estamos tratando de um dos meios de defesa do réu no processo, embora ato privativo do juízo, tal situação não impede que, em complementação ao ato, a defesa requeira ao juiz a formulação de eventuais questionamentos que, não formulados, sejam importantes para robustecer a tese defensiva.

Não por outra razão que o STJ vem sistematicamente assentado que “o art. 188 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.º 10.792, de 1º.12.2003, dispõe que o magistrado, após proceder ao interrogatório, deve indagar de todas as partes, sem exceção, se restam eventuais fatos a serem esclarecidos. A propósito, o Supremo Tribunal Federal tem firmado entendimento no sentido da legitimidade da participação dos Corréus nos interrogatórios de outros réus, em reverência ao princípio do contraditório”, embora eventual “falta de permissão para a Defesa de corréu realizar perguntas no interrogatório de corréus não acarretou prejuízo concreto no caso em tela, dado que a tese defensiva que a Defesa pretendia robustecer foi rechaçada com base em outros elementos de prova, motivo pelo qual descabida a declaração de nulidade do feito, em atenção ao art. 563 do CPP” (Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.905.931/SP, STJ, 5ª Turma, unânime, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 10.8.2021, publicado no DJ em 16.8.2021).

Igualmente já reconheceu, expressamente, que “o art. 188 do Código de Processo Penal NÃO faculta à defesa técnica direcionar perguntas diretamente à Ré. Com efeito, concluído o interrogatório, o Juiz indagará das partes se algum fato deixou de ser esclarecido, formulando o próprio magistrado as perguntas correspondentes, se o entender pertinente e relevante. A não formulação de determinadas perguntas, pelo Advogado da Ré, na audiência de interrogatório, ao contrário do que se alega, não demonstra, por si só, a vicissitude do ato processual, pois não se pode presumir eventual prejuízo à Defesa, mormente se a lei assegura ao interrogado o direito de permanecer perante o juízo em silêncio – princípio do nemo tenetur se detegere.“(Agravo Regimental no Agravo nº 1.018.918-RJ, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20.8.2009, publicado no DJ em 14.9.2009).

Vamos deixar também bem claro que o réu não é obrigado a responder às perguntas do juiz. Entretanto, nesse caso, não poderá exigir responder as mesmas perguntas do modo como formuladas pelo seu advogado.

As partes – e sobretudo a defesa – realizam perguntas complementares ao ato (privativo) do juiz, se necessário para o melhor esclarecimento dos fatos.

Não se pode criar ritos processuais sob o pálio de “ampla defesa”.

Insistimos: ampla defesa não é o que se quer que seja, mas o que a lei permite !

Portanto:

  1. direito ao silêncio, sim;
  2. direito a responder parcialmente às perguntas formuladas no interrogatório, igualmente;
  3. mas se negar a responder às perguntas do juiz e ressaltar que vai responder somente às perguntas do advogado de defesa (mesmo que coincidentes, total ou parcialmente) com as que já formuladas anteriormente pelo juiz (em relação às quais pode ter exercido o direito ao silêncio) viola sim frontalmente um modelo acusatório, pois se está diante de um ato que a lei conferiu ao juiz.

Salvo melhor juízo, sempre.

Para acessar e fazer download da íntegra do texto em formato pdf, clique aqui …

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *